Camões

[César]

CAMÕES

Não fossem os rochedos de Macau,
a saudade rascante, a pena escrava,
e a pátria virtual que futurava
não seria a esmoler sina de Jau.

Venceria a desgraça em quanta nau
pesada de pimenta aqui chegava,
se aliasse, ao comércio e à dura clava,
as rimas e renome acrescentado ao

rei que não voltou. Tinha o canto, e a pátria
já então se perdia, como agora,
Camões, estátua em ruas desmontada.

Dos ossos não lhe soube a dura mátria;
e, se a voz ficou, pouco se demora:
entre os carros se esvai, terra de nada.

César

[Goreti Dias]

Não me parece que a voz pouco se demore...
Parabéns pelo soneto!

[César]

Ainda não descobri como se responde pessoalmente. Se respondo a uma mensagem, logo a seguinte é impedida como se fosse spam.

Goreti

Muito obrigado.  Quando fiz o soneto, pensava neste tempo em que tudo tem de ser rápido e descartável. Pensava também no sistema de Educação que temos, que não é apenas nosso,  é global. No mínimo objectivamente, quer formar seres humanos sem capacidade crítica e incultos, porque a cultura sempre foi perigosa. Já Goering dizia algo como sempre que ouço a palavra cultura, puxo pela pistola. Camões foi praticamente retirado do ensino secundário, e daí, a nível da sociedade portuguesa, o futuro do nosso maior poeta ser cada vez mais um 10 de Junho e não a sua obra.

César


Caro Eduardo Mota

Não é apesar de ser zarolho. Diz-se que Homero era cego e, no entanto, os Lusíadas inspiraram-se na Odisseia, via Virgílio, que nela se inspirou para a Eneida. Bem pelo contrário: talvez  a poesia épica e lírica de Camões deva alguma coisa ao facto de Camões, cedo, ter perdido o olho direito em Ceuta, andaria então pelos vinte e oito anos.

Diz-me que a voz se mantém. Concordo. Mas vai perdendo cada vez mais decibéis, devido não só às causas que apontei na resposta a Goreti, mas também ao facto, facilmente consensual, de que a poesia que circula na Internet, em páginas e blogs, ser de autores do séc. XX e XXI. Ora isto indicia uma consequência social, que é o gosto baseado na cultura muito maioritariamente superficial deste tempo. Não interprete isto como rejeição da poesia moderna e contemporânea. Considero, em importância, a modernidade da arte e, portanto, da poesia, como um segundo Renascimento.

Pergunto-me quem, quantos, fora do âmbito de actividades literárias específicas, terá lido, já não digo Os Lusíadas, mas as Rimas do poeta, e quantos as vão relendo? E, no entanto, têm composições de uma beleza inexcedível em língua portuguesa. Com estas ressalvas todas, a voz mantém-se como diz. Mas de que modo? É isso que nos deve interessar, sob o meu ponto de vista, e foi isso que me interessou para o soneto.

Esta conversa levar-me-ia muito mais longe, mas teria de sair deste tópico.

César

[Goreti Dias]

E pode sair deste tópico e iniciar outro acerca do assunto.
Quanto aos sonetos de Camões, e não só, acredito que continuarão a ser lidos tempo fora porque a sua qualidade se impões naturalmente. Camões , e Bocage também, são poetas que fizeram do soneto uma obra prima da arte.  Não se ficaram pela rima e pela acentuação nas sílabas certas. Foram capazes de reunir essas características ao ritmo e à mensagem. Daí ser o soneto uma construção poética onde me não aventuraria pela dificuldade que apresenta. Certamente faltar-me-ia a capacidade para gerir todos esses factores.
Quanto à resposta do site como Spam, deixe-me explicar: A mesma pessoa não pode colocar duas mensagens seguidas. É visto como Spam. Assim, quando quer agradecer a mais do que uma pessoa, vai escrevendo na mesma "resposta". Caso contrário, teria que abrir uma resposta para cada pessoa.
Abraço