é no silêncio

[Mel de Carvalho]

é no silêncio
do teu olhar gelado
que me dispo
peça a peça
camada sobre camada, sobreposta,
em gestos títeres
de boneca vidrada a porcelana fina.

é no silêncio dum palco mal iluminado
p’la lua madrugada ali ao lado no umbigo escuro do rio
que me deito, em cama áspera e nua,
nos lençóis do teu caminho…
indefesa, desarmada,
pagã em espera.

e tu chegas, como punhal icónico
rasgando a terra…

envolvo-me na ternura que me resta
recubro-me aos flumes vagos de desalento
afasto negrititudes ao pensamento,

… suspiro lágrimas exangue,
ébria p’lo pó de ilusórias estrelas cadentes,
e pinto de sonhos o cinzento das paredes expostas
às intempéries em cores aquosas de claras aguarelas,

… e, no silêncio,
me entrego em magrezas de palavras
e desejos escarlates d’abismos siderais.

em monocórdico gemido,
à mó empedernida dum moinho de vento
sem albas velas,
abro, uma a uma, pernas às palavras,
enquanto mutilo braços d’asas
à levitação plena da alma …

é no silêncio que tu te escusas
de ler um volume antigo,
papiro originário onde registo, um a um,
cada momento,
da meteorologia angustiosa e triste
dos meus mais íntimos sinais.

[…e no silêncio … concluo que não sei sequer
se quero ou sei voar mais...
                                 um pouco mais,
ou se, diminuta ... desisto.]
 

 ___
Lx., Set. 2008

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Estimados amigos e leitores,no meu blog alguém revisitou este poema e vi a entrada. fui reler. à falta de vontade para novas escritas, decidi trazer aqui de novo. cá fica (acho que até já o tinha aqui. se sim, as minhas desculpas )....  grata, Mel

[carlossoares]

Mel,

não me lembro de ter lido este poema. Um trabalho admirável no qual se conjugam imensas luzes coadas por prismas e vitrais inesperados que o poema alça como sonoridades, porém, mais hercúleas que colunas de granito, como hão-de ser as que sustêm o céu sobre os nossos olhos.
Parabéns!
Abraço

[Vanda Paz]

Não és mulher de desistir

Beijinhos (gostei do bocadinho)

[luadepedra]

Maravilhosa escrita. Um poema que brinda uma palavra de imensurável beleza: silêncio.

1 Bj*
Luísa

[Goreti Dias]

Quando pensamos que já não queremos ou não sabemos voar mais, o instinto aguça-se elá vamos nós em novos voos!
Beijo

[Mel de Carvalho]

Estimado Carlos Ricardo,
sou-lhe muitíssimo grata pela generosidade das suas palavras que entendo como um lenitivo a que continue a tentar escrever.
Fraterno abraço,
Mel

[Dionísio Dinis]

Um texto meritório, com um comentário a subscrever do poeta carlossoares.Também gostei dos comentários da Goreti, da Vanda e da luadepedra.

[Mel de Carvalho]

Vanda, minha amiga:
desistir não é de todo o meu "modus operandi..."
o eu-poético que escreve é mais "desistivo" que eu ... ehhh

beijo com carinho.
Mel

...

PS: D. Dinis... posso agradecer a conta gotas?... ou terá que ser tudo de uma vez? Grata pelo seu comentário...

[Sandra Fonseca]

Mil vezes fosse lido nunca se esgotaria o prazer que a leitura  de tal poema proporcionaria a quem o lê. É uma plenitude que não se esgota nas leituras. É poesia de Mel de Carvalho, meus amigos!
Beijo, amiga.
Sandra.