A maçã vermelha na mão esquerda

[vilde]

Sinto-o respirar compassada e levemente. Está sempre presente, o meu tesouro! Guardo-o, bem escondido, no cofre das jóias raras.

Não se mistura aos meus interesses, fica-lhes alheio, respeitando a distância. Mas sei que está lá e me pertence. Esconde-se na burca de outras realidades e, de mansinho, reaparece para marcar o seu território, com o instinto primário, dos animais primários que nunca perdeu e foge para se encaixar no puzzle de outras dimensões.

De quando em vez, tropeçamo-nos naquela insustentável leveza do ser que os corpos pedem em desespero de causa…

Então, perde-se a lucidez no hino espasmódico dos terramotos lunares e novo pangeu abrange a terra. Renovam-se e redividem-se mares, oceanos e continentes. Rompe-se a linha do equador e desabam os trópicos de câncer e de capricórnio. Os pólos extinguem-se na fervura dos glaciares e os meridianos tombam num barulho ensurdecedor. Vislumbra-se aos tropeções e deslocação em rápidos vertiginosos: a jangada de pedra e as vinhas da ira. Arrastado na torrente de lava do etna e do vesúvio, desloca-se polifracturado o meridiano de Greenwich. Perde-se a hora e o tempo e tudo pára! Nada interessa! Nada existe!

Apenas a sublimação subsiste. E sós, tu e eu, nus e selvagens, expulsos à porta do éden, com uma maçã vermelha na  mão esquerda, colada com araldite…

11/04/09

Mavilde Lobo Costa

[vaza pinheiro]

Olá Vilde.

Fiquei deveras surpreendido com este teu texto ficcionado, mas nem por isso desenquadrado da vida em comum de qualquer cidadão. Aquilo qiue motiva a essência do texto só o trabalho oficinal da escritora o sabe. Afigura-se-me, desde as primeiras linhas, uma vida em comum, não só nos comportamentos como na linguagem sensual e levemente erótica.
Diz a personagem feminina: sinto-o respirar leve e compassadamente. Ele está sempre presente, mas não de uma for compulsiva. Há como que a sensação de posse do sujeito masculino, logo contrariada quando ela afirma que o território está marcado em cada um. Perdem a noção do tempo, é certo, quando os corpos se encontram num vulcão de paixões, mas passado o climax, a terra volta a girar ao compasso da individualidade de cada um, de que são avaros defensores.
Quando o Etna e o Vesúvio se aquietam fica apenas o amargo de uma maçã vermelha na mão esquerda, uma metáfora a ser descodificada ou não pelos seus leitores. Fica ainda, esperemos que para sempre, o anúncio de um novo talento neste género de escrita. Parabéns.
Um beijo

Vaza pinheiro   

[Goreti Dias]

"Perde-se a hora e o tempo " e nem a maçã original existe mais...
Gostei do texto!
beijo

[vilde]

Obgd Fernando Vaza, pelo generoso comentário.
Quase acertaste na descodificação!...
Mas, falta o quase...
Hoje deu-me para isto!...podia ser pior.
Bj
Vilde

Obgd Goreti, pela sua simpatia em ler e deixar
um rasto da sua presença.
Sabe que esta coisa, de nos culparem a nós (mulheres),
pelo pecado original, tem que se lhe diga...
Quem pôs araldite na maçã???
É um caso de sherlock holmes rss
Bj
vilde

[Dete]

Vilde:
Guarda o teu tesouro...sempre com a dose certa da lucidez.
De quando em vez dá-lhe um pouco do teu brilho. E deixa rolar a maçã vermelha...
Acho que consegui descodificar...
Adorei o texto...Na verdade sabes verbalizar muito bem sentimentos
tb na prosa.
Um beijo... de parabéns.
Dete

[vilde]

Dete, o bgd por te deslocares até aqui.
Sigo o teu conselho e guardarei o meu tesouro,
apesar de todos os defeitos...
Um bj
vilde

[Goreti Dias]

Vilde:
Será um caso de investigação sim!

[Lana]

Olá Vilde

Só agora li este teu trabalho, e que trabalho!!!

Aqui está um tipo de escrita que me agrada assustadoramente.
Digo assustadoramente não por mero acaso, ou pretendendo originalidade, mas porque considero textos deste género bem audazes, tanto na forma como no conteúdo, arriscando-se, o autor, a algumas rejeições.

Parabéns Vilde, para mim, o teu texto, está uma maravilha.

Beijo amigo.
Lana (Liliana Josué)

[vilde]

Obgd Lana, falta-me o tempo para a criação...
Bj
vilde

[gdec2001]

Gostei muito deste seu regresso aos tempos originais ainda que apoiada por alguns dos nossos melhores escritores quase actuais.
Um texto notável
seu
Geraldes de Carvalho

[Dionísio Dinis]

Um texto que por si só, evidencia a grande capacidade do recrear da autora sobre realidades emergentes no quotidiano de todas as gentes comuns.Brilhante na abordagem, brilhante no desempenho da escrita.Bravo!