gdec2001
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« em: Outubro 15, 2009, 16:53:07 » |
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O Tejo III
Quando tinha já quase um ano a Adélia resolveu apresentá-lo ao seu amigo, o rio Tejo. Passeava nas suas margens levando-o umas vezes pela mão, outras vezes ao colo. E falava, fala, com ele como para um adulto. Diz : Vou falar-te agora deste belo rio , o Tejo. Já reparaste como são bonitos os barcos que nele navegam? São sempre assim, vistos de longe, por causa do seu aspecto elegante e mesmo, por vezes, delicado, porque, vistos mais de perto, uns são bonitos outros são feios. Depende do que transportam e de quem neles navega. Dos que eu gosto mais, são dos barcos...trabalhadores; que transportam carga útil e marinheiros para a cuidar deles e da sua carga. Dos navios grandes, que, actualmente, apenas servem para passear, não gosto muito. É preciso confessar que são bonitos. Brancos e com muitas janelinhas e até uma, ou mesmo duas, piscinas, mas, se reparares bem, parece que tudo aquilo é artificial pois mesmo os marinheiros, que deviam trabalhar, estão vestidos como para uma festa . Mas eu digo-te que lá em baixo, nos porões, nos sÃtios em que ninguém vê, há marujos que trabalham quase nus e escorrendo suor porque está lá um calor danado. Bonitos, bonitos, são os barcos de desporto porque neles tudo se vê e, também os pequenos barcos de pesca de que há agora muito poucos, aqui . E o cheiro? Não sentes como é bom e forte este odor a mar? É o cheiro das algas, é o cheiro dos peixes, é o cheiro do sal, é o cheiro dos homens, é o cheiro do mar. Mas sabes (?), isto agora, não é nada. Antigamente, há quatro, cinco e muitos mais séculos, é que era, é que foi. Aqui, ao lugar que hoje chamamos Lisboa, chegaram, pelo Tejo, os gregos e os cartagineses e até, quem sabe?, os egÃpcios e os cretenses que vinham para vender as suas bonitas coisas a este confim do mundo mas que por vezes tinham de lutar com os selvagens que aqui viviam. Muito antes de Cristo. E vieram os romanos que nos civilizaram; pelo menos se considerarmos civilização esta maneira de viver, como hoje vivemos. E muito mais tarde, aà pelos séculos 13 e 14 vieram os genoveses, os florentinos e os venezianos vender e comprar aqui, aos homens de Bruges, de Londres e de Antuérpia. E que magnÃficos e lindos navios que tinham os italianos. E do Tejo partiram, nos dois séculos seguintes, os navegadores que foram buscar os temperos à Ãndia, os problemas à China e ao Japão, o ouro e os escravos à Ãfrica e as madeiras, o açúcar e também o ouro ao Brasil. E sempre, sempre os problemas... Eram tempos terrÃveis, esses, mas o Tejo estava, então, bem animado. Deves perguntar, querido José, como é que eu sei estas coisas todas. Pois porque sou uma grande apaixonada de Lisboa e do Tejo e leio tudo quanto me cai nas mãos sobre estes belÃssimos lugares. Mas do que gosto realmente mais, é de sonhar olhando para a água do rio. A ÃGUA, sabes, é a coisa mais importante que há para a vida. DevÃamos escrever sempre com letra grande toda a palavrinha, porque todos os seres vivos são compostos, essencialmente, por água como sabe toda a gente. Bom.. pelo menos a maior parte... Ali, no rio, se olhares, distraidamente, tudo te parece sempre igual e, no entanto, tudo muda, continuamente. São as formas e são as cores, porque a água move-se sempre e sempre muda de forma, ora correndo, apenas levemente ondulada, ora enrolando-se em ondas enormes que, por vezes - embora não aqui, - são tão belas como terrÃveis. E as cores, que, como sabes - como virás a saber - são o Sol decomposto pela reflexão, mudam sempre, porque o Sol sempre é reflectido de maneira diferente . Isto, é claro, para não falar, com mais precisão, na radiação electromagnética coisa que eu própria não entendo bem e por isso seria muito complicada para ti. Não?! E então, se reparares bem, vês ali todas as cores de todos os arcos Ãris porque, também, cada arco Ãris, é diferente dos outros e o mais diferente de todos é aquele que nasce do lado do sonho, percebeste? Parece-me que sim. É que, sonhar, também faz parte da vida. Não pertence a outro mundo, não.
Geraldes de Carvalho
do romance engavetado Uma estória quase vulgar ou Sortiletejo
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