Vieste… de novo. Como se iniciasses através dos meus sonhos, uma nova viagem na minha mente. Como se me obrigasses a reiniciar a minha vida adormecida, nas imagens refundidas pelas palavras que nascem dentro de mim. Que têm forçosamente que morrer na espuma branca de um papel, a beijar primeiramente, o virtual e só depois… (já impressas)a redizer essa realidade que encarno, que nem sempre me traduz… mas que afago, com a ostentação de quem se sente retratado e simultaneamente desfeiteado.
Só então… as palavras me atravessam ao meio, dividindo-me em partes desiguais. Me desnudam com a insensatez de um bêbado a arrastar os seus delírios, na calçada de uma mente iluminada de alucinações. Abandonando a lucidez nos átrios mais remotos de casas assombradas, como se o espírito seguisse ao volante de um automóvel que mais cedo ou mais tarde capotará no inferno negro de um asfalto escoriado.
As palavras ganham forma e vida, contigo dentro de mim, e eu fico refém delas.
Por isso me sobressalto quando te sinto como uma aragem a tocar o vácuo. Como se completasses em mim uma outra vida, encastrada na magia das sílabas a falar no cume da sua mudez.
Às vezes sofro… tanto!
A poesia mata-me e faz-me renascer. Faz-me amar e sofrer na mais terrífica solidão. Enxergar a inexistência onde encontro tudo o que não tenho, tudo quanto me completa.
Que paradoxo mais aberrante...!
Mas é certo, acreditas?
Tão certo como eu fugir da morte. Não por ter medo dela, mas por saber que me roubará a possibilidade de sentir a chuva no corpo enquanto caminho sem destino. Que me roubará a possibilidade de sentir o vento
esbofetear-me com os seus caniçais dedos de estufa, enquanto os temporais programam as suas diabruras nos densos e ameaçadores céus. Por saber que deixarei de te reescrever enquanto durmo, acordada, enquanto acordo, dormindo.
Porque te digo tudo isto se és uma prostituta arrependida?
Uma vez mais rompe-se o silêncio ensurdecedor, onde te infiltras no meu corpo nu e ensaias orgias descaradas. Onde te disfarças nas reticências existenciais a fazer corar os mais destemidos.
Atravesso os muros onde te escondes, num bocejo de quem acorda sonolento, como se fosse tua amante e o assumisse, desafiando os olhares mais incrédulos.
Vóny Ferreira