NunoMiguelLopes
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Não vou gostar nada do dia de hoje, pois não?
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« em: Fevereiro 04, 2010, 00:16:01 » |
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Como progressista que gosto de pensar que sou, e liberal, ainda por cima, todas aquelas regras e restrições da religião me causam impressão. Não gosto, por exemplo, que a prática religiosa prime mais pelo obscurantismo do que pela observação empÃrica de factos. Digo, historicamente e presentemente. Galileu e outros tiveram a Igreja à perna por constatarem o óbvio. Constatar o óbvio é o passo fundamental do progresso humano e não merece a má fama que tem hoje em dia. Se não constatássemos o óbvio não poderÃamos ter desenvolvido as ciências. Sem as ciências, esqueçam, ainda estarÃamos a vestir a pele dos animais que matamos. Certo, mau exemplo, mas confio que se perceba o que quis dizer. Já a Religião organizada dedica todos os seus esforços para desmentir o óbvio. Mente, se tiver de ser, mistifica, deturpa e deforma as percepções para garantir a manutenção do controlo do rebanho. Aliás, só o facto de lhe chamar “rebanhoâ€, assim à descarada, devia ser razão suficiente para se nos eriçar a lã.
Se dependesse da religião organizada ainda estarÃamos na Idade das Trevas. Especulação? Basta comparar os povos onde a religião subsiste ainda na sua forma mais tirânica e aqueles onde a religião começou a perder tracção. Quais são os povos mais iluminados? Não quero que se pense que sou contra o Islão. Sou contra todas as religiões (vá lá, salva-se o Budismo). Acontece que o Islão é o exemplo perfeito do que acontece quando uma religião vinga. O verbo empregue não é por acaso. Vejamos o caso dos cartoons publicados na Dinamarca e na Suécia com o rosto de Maomé que inflamaram milhões no mundo árabe, chegando a haver confrontos na Jordânia (aparentemente mais moderada) que causaram mortos e tudo. Por causa de um cartoon. Estaremos perante um choque de civilizações que existem no mesmo mundo, ao mesmo tempo, mas em séculos de desenvolvimento diferentes? Eu digo que estamos.
Mais, acredito na liberdade de expressão e isso inclui o direito de criticar seja o que for, mesmo a religião. Os religiosos, de todos os credos, deviam aprender a lidar melhor com as crÃticas. Embora aà resida parte do problema. A outra parte, muito simplesmente, é que se os religiosos reclamam para si tolerância eu reclamo para mim que aquilo em que os outros acreditam não devia em nada afectar a minha vida. Se assim fosse, tudo bem, era deixá-los estar. Cada um acredita no que quiser. O meu problema aqui, com a religião, é que tratando-se fundamentalmente de um sistema de controlo, tende a espalhar as suas influências não só pelo rebanho mas muito para lá dele. Ou seja, a minha vida acaba afectada pela religião na medida em que esta detém ainda influência suficiente na sociedade para, por exemplo, relegar a mulher para uma classe equivalente à das cabeças de gado ou colocar entraves à pesquisa de células estaminais, que poderia ajudar a ciência, por exemplo, a descobrir a cura para várias doenças (embora aqui entre a indústria farmacêutica com a qual também tenho problemas). Durante toda a História da Humanidade a Ciência, nas suas diversas facetas, esteve à espera de ser descoberta e partilhar connosco as soluções para uma existência melhor e ainda hoje a Religião faz o que pode para lhe jogar uma manta para cima.
A Religião surge na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Em evidência no artigo 2º, mas destaco o artigo 18º para apontar logo de seguida o 19º.
Artigo 18.º Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos.
Artigo 19.º Todo o indivÃduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão.
Podem não ser contraditórios, mas são de equilÃbrio precário, no mÃnimo. Na pessoa de Salman Rushdie, cuja cabeça teve direito a fatwah, a Declaração Universal dos Direitos do Homem de pouco serviu para aplacar a sua inquietação. Mas ele não está sozinho, porque os artigos acima podem ser pensamentos muito bonitos e exprimir grandes valores mas não são postos em prática, nem por quem mais os alardeia. Como podemos nós exercer os direitos presentes no artigo 19º se depois nos põem a cabeça a prémio como sucedeu com um ilustrador sueco? Os muçulmanos não podem criar representações de Maomé, de acordo com o que vem no Corão, mas Lars Vilks não é muçulmano, devia estar isento dessa regra.
Se não sou Cristão porque é que sou obrigado a sofrer com os desmandos desse culto no que toca à teimosia em relação ao uso do preservativo (basta lembrar as atitudes recentes da Igreja no continente africano, em plena pandemia da SIDA), nos dilemas “morais†que colocam quanto ao avanço dos estudos com células embrionárias, ou ainda na situação do aborto? Se uma religião organizada fosse capaz de limitar o seu domÃnio à queles que voluntariamente se entregam à sua influência, eu não teria problemas. Não tenho problemas com o Budismo, por exemplo. Agora, quando algo em que eu não acredito interfere na minha vida ou na dos outros, sim, tenho problemas. Infelizmente, como as religiões organizadas vendem um produto comercial, têm o hábito de não respeitarem o espaço pessoal dum indivÃduo na ânsia de aumentar a sua clientela.
Choca-me o tratamento do Islão para com as mulheres e não me conformo com a linha de pensamento de que há que respeitar a sua cultura. Antes de sermos muçulmanos, cristãos, judeus ou ateus, somos seres humanos. Para mim, essa conversa é igual à dizer de que enfiar judeus e ciganos nos fornos crematórios de Auschwitz fazia parte da cultura nazi e, como tal, só nos cabia respeitar. A religião organizada é o factor divisionário primordial da Humanidade. Não sequer é o tom de pele ou a nacionalidade. Religião. Em nome dela (ou como pretexto) tivemos as Cruzadas, em que os Cristãos exterminaram culturas muito mais antigas que a sua, eliminando para sempre sabedorias milenares. Tivemos o Holocausto. Temos a condição deplorável em que a mulher vive nalguns paÃses muçulmanos. Temos a influência imposta sobre a polÃtica e a educação. E, historicamente, será difÃcil encontrar uma faceta da nossa existência social onde a religião organizada não tenha posto as suas garras.
Não que eu não me dê com pessoas que acreditam num deus. Quase todas as pessoas que conheço e de quem eu gosto acreditam. A minha mãe acredita. Acho apenas que se quisermos acreditar numa entidade divina não temos forçosamente de embarcar na religião organizada. A religião organizada sequestrou a espiritualidade humana em pleno voo e agora temos por cima das nossas cabeças um avião do cristianismo, um do judaÃsmo, outro do islamismo, todos a voarem em cÃrculo (excepto o último, que tende a ir de encontro a prédios altos), mas todos essencialmente iguais.
No fundo, o que pretendo dizer com isto tudo é que com o direito inalienável à liberdade religiosa devia vir também o direito igualmente inalienável de, se assim o desejarmos, vivermos livres da influência da religião organizada.
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