Nação Valente
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outono
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« em: Maio 18, 2020, 19:10:55 » |
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A fúria do cassetete
O meu avô, Adriano, nasceu no final do século XIX, e quando estava no auge da sua juventude caiu-lhe uma guerra em cima da cabeça. Com o seu fiel amigo de infância e de pândega, Baltazar, foram recrutados para o serviço militar e para o mesmo quartel, instalado em Tavira. Em 1917 Portugal resolveu entrar na guerra ao lado dos aliados. O meu avô, e o seu inseparável amigo, foram mobilizados para o contingente português que iria seguir para a Flandres. Vieram a casa com uns dias de licença e nunca mais voltaram para o exército. Até ao final da guerra viveram, clandestinamente, de um de outro lado da fronteira.
Quando a guerra terminou, o governo da República, declarou uma amnistia para os desertores, que eram em grande número. A única condição que tinham que cumprir, era apresentar-se de novo nas forças armadas, para completar o serviço militar. Mas em 1918 o Estado precisava de reforçar as forças militarizadas, neste caso a GNR, que era o esteio do regime. Foi neste contexto que o meu avô entrou para esta corporação, sendo colocado no regimento sediado em Lisboa, no castelo de São Jorge.
Nessa época do pós-guerra, a situação económica do paÃs era calamitosa e a situação social explosiva. O desemprego estava na ordem do dia. A inflação vivia sem controle. A fome era irmã gémea de muitas bocas. As greves não tinham sono. As forças policiais não davam mãos a medir, no cumprimento da ordem republicana.
No castelo, o meu avô, foi nomeado com muitos outros para frequentar aulas de alfabetização. Nessa época o analfabetismo reinava em muitas cabeças, com ou sem chapéu. Um militar das forças republicanas tinha de saber ler e escrever. O meu avô, porém, tinha frequentado a escola primária durante anos, embora não possuÃsse qualquer diploma de conclusão, porque no dia em o professor o colocou de castigo junto a uma janela, com a palmatória pendurada no pescoço, perdeu a paciência atirou-a pela janela, saiu atrás da dita e nunca mais voltou. Depressa o alfabetizador percebeu a situação do meu avô e dispensou-o daquelas aulas.
Com mais tempo livre, o meu avô, saÃa mais vezes do quartel para passear pela cidade. Descia uma calçada inclinada até junto ao rio, para matar saudades da sua ribeira e depois regressava. Ao passar junto de uma tasca com clientes na rua em amena cavaqueira, os paisanos presentes, que não morriam de amores pelas forças policias, e aproveitando-se do facto do avô estar sozinho, interpelaram-no, quando já se afastava, subindo a encosta. -Ó “paneleiro†sem se referir ao acto de fazer panelas, não te falta comida, tens um cu bem gordo. O meu avô não era homem de levar insulto para casa, neste caso para o quartel, inverteu a sua marcha desceu uns metros até junto do grupo, olhou-os nos olhos e disse: Sou o quê? A desrespeitar a autoridade? Risos… -Até era capaz de os ignorar mas o meu cassetete, bem grande, mas muito sensÃvel, não gostou do que ouviu. Bem tento acalmá-lo mas não sei se consigo.
Palavras não eram ditas, puxou do dito cujo e toca a malhar em tudo, mexesse-se ou estivesse quieto. Os valentões da calçada depois de levarem surra, pernas para que vos quero, foram saindo de fininho ou conforme podiam. -Espero que respeitem o meu cassetete. Eu perdoo, ele não, rematou o avô. Fosse porque fosse, daà para a frente, e enquanto esteve no castelo, o avô descia e subia a calçada, sem ouvir piropos, e sem ter que dar trabalho ao seu melindroso cassetete.
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