Araci
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Ainda não sei o que sou, mas sei quem eu sou
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« em: Novembro 29, 2012, 22:49:57 » |
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Eu cresci no Interior do nosso País.Cresci e fui muito feliz neste lado.Eu tenho vários motivos para defender o que é meu enquanto andar aqui neste planeta, bem como também sou a primeira a apontar as coisas más que isto tem,mas comecemos pelas boas. Viseu é a cidade mais próxima de onde eu vivo, vá não é a cidade mais próxima, mas é a capital de distrito e merece todos os seus louvores visto ser uma cidade linda e conforme já foi dito várias vezes em estudos recentes, é a cidade portuguesa com melhor qualidade de vida para se viver,realçando-se a sua limpeza nas ruas ( sim é verdade, se comparar com o Porto, Viseu é uma autentica cidade Suiça!) .Eu gosto das pessoas da “minha” cidade, são porreiras e simpáticas e ainda há muito a sensação de uma grande aldeia por lá, e fico chateada quando ouço alguém falar disto aqui como se fosse uma pacovice sem sequer algum dia terem cá posto os pés. Algumas coisas fazem-me impressão nesse tipo de pessoas,porque eu conheci bastantes delas durante os meus anos universitários.Conhecem meio mundo, fazem questão de se vangloriarem que já estiveram aqui e ali e nas capitais mais chiquérrimas do mundo, mas quando se se trata de falar do seu próprio país que é o nosso Portugal, só falam de Lisboa e do Porto e o resto é mesmo paisagem.Eu tinha pessoas portuenses e outras das redondezas que eram exactamente assim.Quando por vezes algumas me perguntavam se eu ia para casa ( Viseu) lá diziam ” então e este fim de semana vais lá para cima?” .Que grande confusão que aquilo me dava e eu respondia bem alto ” É lá para baixo! Viseu fica abaixo daqui!” ( sim Viseu fica mesmo abaixo do Porto,que espanto!).Isto aconteceu-me muitas e muitas vezes,com pessoas comuns da rua no Porto o que eu perdoava,mas aconteceu-me também com Universitários!Essas pessoas que tinham corrido meio Mundo e nem sequer o seu país conheciam falavam do Interior como se fosse uma espécie de deserto, sem interesse e como se fosse de facto outro país. Todos sabemos que as diferenças não estão entre Norte e Sul, e quem assim pensa é um tanso.As diferenças maiores estão entre Interior vs Litoral.Há várias coisas que me incomodam aqui.Uma das grandes coisas que faz falta em Viseu é o comboio,esse veículo de transporte fabuloso que sinceramente acho que se por aqui existisse esta região iria sofrer uma grande evolução em tudo, tanto na mobilidade como principalmente na mentalidade,e assim não pensaríamos que o carro é o único meio de transporte do mundo e que quem não tiver um carro não é ninguém na vida. Quando andava aqui no secundário conheci pessoas do Litoral que muitas vezes me diziam quando eu queria ir dar um passeio “Porque não te enfias no comboio e vais até a algum lado?”.Já com os meus 15 anos fui confrontada com estas coisas,ficava irritada deles pensarem que Portugal era como o Litoral onde viviam, cheio de comboios suburbanos até ao Porto ou coisa que o valha, depois lá lhes dizia meia irritada “não há comboio aqui, nem aqui nem em Viseu!”. Claro que eu também não fazia ideia que os vários comboios suburbanos que fazem ligações entre cidades como Braga, Aveiro e até Guimarães fazem paragens em aldeias muito mais isoladas do sitio onde eu moro!Portanto aqui não seria tão impossível existir também um comboio! Mas continuando a falar das pessoas,espanta-me a ignorância brutal que algumas do Litoral têm em relação ao Interior. Eu tenho de admitir que há duas cidades e distritos que não conheço, Chaves e Bragança,por isso sobre elas nada falo! Porém eu sei que tive uma grande sorte dos meus pais viajarem comigo por todo o Portugal quando eu era criança.Era uma típica família portuguesa dos anos 90 que viajava todos os Verões até ao Algarve , e que belos tempos que foram! Até muito tempo eu acreditei que todas as famílias eram mais ou menos como a nossa e que todos iam para o Algarve em fila indiana.Claro que não sabia que havia pessoas com mais dinheiro que em vez de saírem para fora cá dentro iam visitar Caraíbas e não sei que mais e a esturrar tudo o que ganhavam e tudo era um paraíso.Eu tive a sorte desde muito nova ( porque não havia auto estradas como agora as há) ter percorrido Portugal por entre estradinhas. Parávamos em cada povoação e andávamos por todas as estradas nacionais , a viagem era bem longa e comigo sempre a perguntar ao meu pai “ Ó pai já chegamos ao Algarve? ” , e às vezes ainda nem ao Alentejo tínhamos chegado! Quando ouço pessoas a falarem que Viseu fica para cima do Porto faz-me confusão.Como me faz confusão uma vez ter ouvido “então mas por que raio o teu irmão foi estudar para a Covilhã, isso é um bocado fim do mundo não?”. Quando muitas dessas pessoas eram de vilazitas e aldeias muito piores que a linda cidade da Covilhã. Outra coisa que senti enquanto estudante era o facto de eu ser Universitária e ser de uma aldeia do Interior.Parecia que isso era algo mesmo estranho a vários colegas meus,principalmente a certas dondocas que tinham vindo de colégios privados e que mais parecia estarem a fazer um curso intensivo para virarem umas tias de Cascais ( desculpem a expressão!)do que para fazer o mesmo curso que eu, e cujos pais ou eram professores,ou médicos ou pessoas que em vez de utilizarem papel higiénico pegavam em notas de 500 euros para limpar o dito cujo.Não, os meus pais não eram nem doutores nem professores nem coisa que o valha, mas qual é o espanto? Acho que a educação chega a todas as pessoas certo? Não são essas as maravilhas que a democracia e um Estado Social nos fornecem? Tive também a sorte de ter a minha escola primária a 3 metros de minha casa,e tive ainda o luxo de estar numa escola onde na altura éramos umas sete crianças.Lembro-me ainda que na 4ª classe éramos apenas duas crianças,eu e outro rapaz que estuda engenharia em Coimbra. A acrescentar a tudo isto depois também temos o nosso querido Governo que se está mesmo a borrifar para nós.Pagamos como todos mas não temos as regalias como todos os outros.Se eu não me podia queixar pelo facto de ter tido uma escola pública com poucas pessoas e onde fui muito feliz,nos dias de hoje não é bem assim.Somos do Interior, ninguém quer saber se uma escola fecha numa aldeia isolada tirando toda a vida que nela existe.Escolas fecham e os miúdos têm de ser levados para cascos de rolha para terem aulas, mas isso ainda é compreensível por um lado,mas por outro é a morte de um local.Porém o pior ainda é os hospitais que fecham em certas vilas,bem como os tribunais.Isso vai se fazer aqui, e pessoas vão ter de andar kms e kms em deslocações e isso é se tiverem carro,porque como já disse, aqui quem não tiver um carro não sai de casa e andar de táxi não é das coisas mais baratas. Por um lado a nossa cidadezita ( que por mim deveria antes ter permanecido como uma vila,ao menos seria uma boa vila e não uma fraca MUITO FRACA cidade) vai ganhar, mais pessoas virão para cá e isso agitará certamente o nosso comércio. Mas e as outras vilas, e os kms que as pessoas terão de fazer para virem cá e o dinheiro que irão gastar? Ninguém se lembra disso? Tudo se decide lá para baixo para a Capital, negoceiam-se coisas em base de números e só se lembram das pessoas que para cá sobrevivem quando elas se esquecem de pagar alguma coisa…Mas e nós não somos tão portugueses como os que vivem no Porto ou em Lisboa?Juro que por vezes penso se estarei mesmo em 2012 e se estamos de facto no século XXI ou se estamos é umas décadas atrás a viver num Portugal atrasado e esquecido dentro de uma ditadura qualquer… Outra coisa que me irrita é a televisão, esse meio de comunicação que sinceramente desprezo.Cada vez que falam do interior fazem questão de pegar numa aldeia qualquer de Trás-os-montes, onde existe uma meia dúzia de pessoas velhinhas a viverem, infelizmente, em casas com muitas más condições e depois fazem disso um espelho de todo o interior,ou então de pegarem num jovem qualquer cuja inteligência deixa bastante a desejar e pintam-o como o jovem típico do interior. É que por aqui também há muitos bons cérebros, e maus, como há em todo o lado, mas acho que nenhum universitário destas regiões iria algum dia dizer que Lisboa fica para o Norte de Viseu e o Porto fica para o sul…( acho eu)...
Joana Araci Rodrigues Almeida,22 anos, licenciada em Línguas e Relações Internacionais pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. A autora rege-se pelo antigo acordo ortográfico.
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