O nascimento de um génioManuel era um rapaz
bastante capaz
na escola do bairro
em que andava,
que frequentava.
Seu livro de leitura
tinha um belo trecho
que era como este
as linhas do texto
não chegavam
ao fim
das linhas do papel.
Que era poesia diziam ao Manuel
-e, por isso, vou acabar com esta porcaria - .
O Manuel gostou, gostou mesmo muito daquele texto e, por isso, resolveu que seria poeta. E começou a tentar fazer versos como aqueles e outros parecidos que encontrou também no seu livro de leitura .
Só que não parecia capaz embora capaz ele fosse, capaz de ler, de escrever.
Mostrou então os seus versos ao amigo Joaquim que era o melhor aluno e o Joaquim riu-se dele e também, um pouco, para ele, não fosse ele zangar-se porque o Manuel era um bom amigo.
Manuel jurou então nunca mais fazer versos e foi continuando a sua educação sempre gostando da poesia e da outra literatura que conhecia, até que tirou uma licenciatura em letras.
Depressa conseguiu um emprego num jornal e por isso começou a escrever reportagens.
O director gostou muito e sabendo que o Manuel era doido por leitura desafiou-o a fazer crítica .
O Manuel aceitou mas resolveu assinar-se Ruissano, não sei bem porquê.
E a primeira crítica que fez foi a um célebre poeta que ele não compreendia e foi isso mesmo que ele disse na sua crítica .
O director chamou-o e disse-lhe : V. é doido homem, então não sabe que o seu criticado é o melhor poeta português da actualidade e mesmo deste século contando também o Sec. XX porque este só agora começou , homem ?
E disse o Ruissano: Mas a verdade é que eu não percebo nada do que ele escreve e creio que isso acontece com a maior parte das pessoas. O Sr. director percebe, por acaso ?
Eu não, homem, mas quem é que quer perceber esse génio. Se o pudéssemos perceber ele não seria um génio, homem . Perceba você isto se quer continuar a servir esta casa e a nossa nobre causa, homem.
E o Ruissano percebeu.
Escreveu então outra crítica sobre o mesmo poeta dizendo que era um génio como ele já dissera na primeira crítica mas que parecia que alguns leitores, ainda não versados naqueles sacrossantos assuntos, não a entenderam.
E dizia mais que "a impermeabilidade do estro outorgado ao vate assinalado -maldita rima- era uma prova de que os deuses o haviam escolhido para ser a sua voz neste recanto tão perturbado - outra vez ? - do nosso universo contracionário ."
O director chamou-o novamente mas para o felicitar pelo texto "que honra o nosso jornal ". Fez-lhe apenas um pequeno reparo sobre as rimas que apareciam aqui e ali e que agora já não se usam , homem.
Ruissano prometeu emendar-se e começou a escrever outro texto no computador esperando que este misturasse as palavras de maneira que ficassem completamente incompreensíveis porque assim era necessário para louvar outro génio da nossa terra.
E pensou :
Qualquer dia mando para as malvas o juramento que fiz quando era criança. Esperem se querem assistir ao nascimento de um génio.
Geraldes de Carvalho