Nação Valente
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outono
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« em: Janeiro 27, 2014, 22:14:54 » |
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Todos o viam, ninguém a conhecia. Muito menos sabiam o seu nome. Chamavam-lhe homem sem nome. No sÃtio onde nasceu e foi baptizado já não se lembravam dele. No lugar onde vivia não sabiam a sua origem. Nunca gostou do nome que lhe puseram, Máximo Filho de Algo. Dava nas vistas. Não encaixava no seu perfil discreto. Escondeu-o num recanto escuro da sua memória. E jurou a si próprio que não o conheceriam por tal nome. Nem morto. Abandonou-o e seguiu o seu destino de homem sem nome.
No local onde decidira viver notavam a sua presença mas ninguém sabia quem era nem o que fazia. Sabiam dos seus modos respeitosos, do seu ar simpático e sobretudo quando falava (pouco) da sua casta linguagem. Nunca lhe ouviram uma palavra marginal, nem se recordam de sair do tom sereno. Viam-no a ajudar velhinhas mancas a atravessar a rua, desafiando apressados condutores bêbados e destilando impropérios (filho de homem enganado pela mulher, diria ele). Viam-no nos transportes públicos dando o lugar a mulheres prenhas ( de esperanças diria ele) uma espécie em vias de extinção. Viam-no no aeroporto a ajudar putativos emigrantes, vÃtimas do cinismo polÃtico, a arrastar as suas malas carregados com vidas bloqueadas.
A sua educação roçava o absurdo. Nunca pronunciou um palavrão, nem na versão ligt. Quando se referia a uma profissional do sexo chamava-lhe distribuidora de amor aos sem abrigo. A copula era um acto divino de procriação. Se ouvia a expressão vá à merda logo corrigia para faça um retiro de limpeza. E assim viveu até chegar a sua hora de partir. Acontece a todos, mesmo a impolutos homens sem nome. Mas nunca fez nada ao acaso. Preparou o pós-vida com todos os detalhes. Deu especial ênfase aos dizeres do seu epitáfio. Deixou expresso ao seu testamenteiro como queria que o identificassem para a posteridade, com uma ressalva clara. O seu nome nem morto seria pronunciado. Quando os apreciadores de literatura tumular olhavam para a sua lápide liam : aqui jaz um cidadão exemplar que nunca mentiu, nunca injuriou, nunca invejou, nunca cobiçou mulher alheia, nunca votou em polÃtico hipócrita, nunca traiu. Um cidadão impoluto e sem nome. Acabada a leitura levantavam os olhos, invariavelmente, e sem barreiras de linguagem, diziam: Foda-se! Este cabrão era o Máximo.
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