Maria Gabriela de Sá
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« em: Maio 05, 2014, 20:36:50 » |
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DE QUEM É O LARANJAL?
Há anos que o vejo ali naquele sÃtio, junto à Muralha Fernandina. Vai do casario, mais atrás, até à torre, quase se debruça sobre o rio Douro e vê constantemente, triste como a morte, o amarelo do metro a passar na Ponte D. LuÃs de uma margem para a outra. Oferece-se ao observador aniquilado e infeliz como a tela deprimente de um pintor em fase niilista.
É do metro que o contemplo há muito tempo, velho e hirto, com as laranjeiras a crescerem desordenadamente, as folhas a formarem uma espécie de carapinha gigante que há muito não vê corte nem pente. No fundo, junto ao pé, que não consigo vislumbrar do metro em movimento, cresce uma erva crespa que se renova todos os anos com as chuvas do inverno, e nem o calor do estio consegue demovê-la da invasão constante das pobres árvores, que vivem o dia-a-dia com a mesma angústia do paÃs onde foram plantadas e onde a agricultura há muito foi votada ao abandono.
De quando em onde, no meio da folhagem verde-garrafa, lá se vê um fruto perdido, mordido pela ferrugem, que ninguém come porque atravessar o terreno para o apanhar parece uma aventura semelhante à travessia de uma floresta virgem em pleno coração da Amazónia.
Confesso que já o imaginei lindo e ordenado, as laranjeiras podadas e as ervas daninhas arrancadas, como se fosse um jardim de Bagdad, e até já pensei em, se soubesse quem é o dono, ir tocar-lhe à campainha e chamar-lhe a atenção para aquele desmazelo pegado. Se já não se pode salvar a casa que estava ali viradinha para o metro e que já se estatelou no chão com o impacto da vida que lhe não deram, ao menos que se salve o laranjal, porque as árvores ainda vão sendo das coisas deste mundo que conseguem morrer de pé. E, no mÃnimo, seja a sua morte daqui por mais umas décadas, embora haja algumas, como as oliveiras de Jerusalém, que nos conseguem dar sem palhetas enormes lições de vida.
Já a erva, hoje dei comigo a imaginar a burra da Tia Adelina, uma velha e a personagem de um romance de Victor da Rocha que ando a ler e que agora está numa fase atrevida, a regalar-se com ela e a deixar o terreno alcatifado como se fosse a estrada para a aldeia que tarda em chegar e talvez nem chegue nunca.
Também já pensei em tirar uma fotografia e pespegá-la na fronha do tal dono desconhecido e envergonhá-lo dessa maneira mas, com o andamento do metro, a foto ficaria com certeza tremida e lá se ia o efeito pretendido, agastar o senhorio das laranjeiras.
A minha última esperança, confesso, é o meu amigo do Facebook Castelo Vila dar de caras com aquilo, apontar-lhe a máquina e postar depois aqui, a ver se o dono do laranjal se toca e manda então tratar ali daquela terra junto à Muralha Fernandina dando à história das coisas uma cor mais bonita.
Será que se eu meter uma cunha ao ilustre presidente da Câmara Municipal do Porto, Dr. Rui Moreira, o assunto se resolve?
Boa noite (Fui eu, de meu nome Maria Gabriela de Sá, que escrevi, claro…)
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