Maria Gabriela de Sá
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« em: Dezembro 16, 2014, 15:14:40 » |
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Foi hoje o dia de rever os bichanos do meu encontro com sete um dia destes. Desta vez provida daquilo que eles, com razão ou sem ela, me pediram insistentemente, comida. E da boa.
Quando cheguei, espreitava um deles, o infante desmascarado pelo seu tamanho mais pequeno, através da grade do muro, rota devido à s constantes incursões no exterior por todos eles. E, depois de abrir com alguma demora o saco da ração e de deitar uma mão cheia dela num pequeno plástico que substituiu o prato, chamei-os no miau-miau universal com que se chamam os felinos do mundo inteiro para o maná, para eles talvez caÃdo do céu.
Não tardou até cinco deles, alguns assustadiços e cautelosos, se lançarem no prato improvisado ali no restaurante de beira de estrada. E, claro, lá estava o Rei-Sol, afoito e destemido, como o chefe de mesa, o pai provavelmente, ao menos adoptivo, a fazer intimamente em lÃngua de gato o ritual de agradecimento ao Senhor pela dádiva de mais um dia com pão na mesa. Ou mais um mimo vindo de terceiros.
Estranhando a falta de dois, ainda os convoquei para o repasto no mesmo trivial chamamento, sem resultado, enquanto aventava a hipótese de eles não serem da mesma famÃlia e estarem então, como devia ser, a ronronar num colo qualquer bem alimentados e no aconchego do seu lar.
A seguir começou a sessão de fotos.
Durante o flashing, várias vezes verbalizei com os meus botões a dificuldade de fotografar semelhantes modelos em tudo semelhantes à fofura dos congéneres bebés que igualmente me arrebatam.
E estávamos nós em confraternização amena, uns mimos no pêlo do Rei-Sol que se roçava grato nas minhas pernas, quando um carro estacionou perto com a aparente apreensão de um dono disposto a apanhar em flagrante uma ladra de felinos.
Quando saiu de dentro uma senhora, perguntei-lhe se os bichanos lhe pertenciam. Perante a afirmativa, acabei por lhe narrar as minhas recentes aventuras com eles, uma espécie de amor à primeira vista. Sete, com efeito, duas bichanas estavam em casa guardadas com o zelo de quem não quer ser avó de novos gatinhos filhos de pai incógnito, agora que o cio entrara com toda a pujança nas suas vidas sem elas terem qualquer força moral para lhe resistirem.
Passados instantes fiquei a saber que o Rei-Sol, na verdade, o Chico, estivera desaparecido durante dois anos. Regressara num Natal, mudo e melado como nunca deixara de ser e ainda como o mais grato presente do Menino Jesus para uma dona saudosa e chorosa durante todo esse tempo. Era, como eu pensara, o mais velho, ele e outro cujo nome não retive, os mais meigos de todos. Foram os únicos a render-se à confiança das minhas mãos e ao calor das minhas pernas enquanto, na linguagem de gato, me diziam talvez o obrigado mais sincero dos bichanos. E foi também a senhora, agora sem más intenções a meu respeito, a falar-me das meninas, momentaneamente cativas dos seus instintos e me ajudou inclusivamente a tentar obter, sem glória, um grande plano do rosto de Chico, enquanto este orgulhosamente se recusava a posar para mim. Tive de lhe "roubar" as fotografias.
Quando vim embora estava plenamente convencida de ter sido denunciada, eu e os meus preparos, pela vizinha da frente, acotovelada eventualmente pela ideia de ter sido eu a raptar Chico quando estiveram privados da sua presença durante uma eternidade.
Depois de logo inicialmente ter notado a ausência de uma gata "pedrez" e de outra preta pintalgada de amarelo, sendo esta a mais persistente no seu pedido nem sei de quê no primeiro encontro, constatei, após compulsada a totalidade dos acontecimentos, que as mulheres são na verdade muito mais persistentes do que os homens. Foi a elas a quem eu tive de dizer então, com o pragmatismo das coisas sem remédio, "Non habemos papa", prometendo-lhe também um regresso à posterior. O de hoje...
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