Maria Gabriela de Sá
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« em: Agosto 01, 2016, 17:22:43 » |
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De vez em quando acontecem por aà umas coisas divertidas. Ao menos para quem está de fora e as vê já resumidas no linguado de uma notÃcia. Era assim que se chamavam as notÃcias antigamente quando não havia computadores e o jornal tinha de ser esculpido à mão na tipografia. Outras vezes as coisas que acontecem não são assim tão hilariantes como quem gosta de dar uma boa gargalhada desejaria...Mas vai-se vivendo...
Lembrei-me hoje do abre-latas, esse pequeno utensÃlio doméstico de utilidade cada vez mais posta em causa graças ao invento de um português de cuja imaginação, um dia, saiu uma pequena... - desculpem mas não sei como hei-de chamar à quela treta que se levanta numa lata qualquer: de sardinhas, de salsichas, de ananás etc. Daà que tentasse assim relembrar o velho objecto de mil e uma formas com que se abriam quase todas as latas.
Todas, mais uma... a do coveiro que, alegadamente, por causa de uns quantos euros que a entidade patronal lhe ficara a dever, não procedeu ao enterro de um morto, escusando-se a pôr-lhe em cima as pasadas de terra devidas, ali onde o defunto acabara de descer, depois de ter dito adeus a este mundo de loucos. Pois, se há coisas que devam ser fechadas de imediato, uma cova é uma delas! Quer se trate de criatura humana, ou inumana como um extraterrestre, de quem ainda não se sabe se pode ou não vir a cheirar mal. Mas parece-me quem nem todos levam este dever de cristão, ateu ou assim, até ao fim com verdadeira sabedoria...
Isto era para ser pequenito. Mas..., aqui vai uma história: Era um dos meus sobrinhos pequeno quando o levava muitas vezes comigo passar os fins-de-semana na aldeia onde existia uma casa com as arcas cheias de sal, o meu fascÃnio enquanto não as assaltei… Uma vez, muito antes da histeria da gripe das aves, mal entrámos em casa, onde a Tia Marieta, que morava na aldeia, cuidava de uma capoeira que a minha cunhada, doida por galinhas, lá instalara depois de ter comprado um rancho de pintos numa chocadeira automática, encontrámos uma galinha morta. Naturalmente morta ou doentemente morta, era coisa que não nos interessava na altura, e eu, enquanto cristã capaz de fazer um enterro a sério, se necessário, tratei de tomar as previdências para o funeral da bicha. Desde logo munindo-me de uma pá com que, com pouca habilidade, cavei apesar disso buraco suficiente para a morte entrar e não sair jamais de lá. Depois de a sepultura estar pronta, com a falecida ali perto prestes ingressar nela, o garoto permanecia ali silencioso e quase a chorar. De repente disse ele com algum temor - Coitadinha da galinha... Enquanto isso eu pensava que se ele continuasse até adulto com aquele tipo de comiseração pelas bichanas, era certo e sabido que ninguém o deixaria assistir à morte fosse de que animal fosse. Dizem que aos animais lhes é mais difÃcil morrer…E, depois, é o sofrimento do bicho moribundo, a estrebuchar por todos os lados, que acaba por contagiar toda a gente...Foi a minha cunhada, doida por galinhas, quem mo disse e me proibiu, doravante, de estar presente quando levasse a cabo uma matança, depois de durante um certo episódio do género eu ter dito mais ou menos o que o miúdo disse... Mas, lá acabei por enterrar a ave. E, à medida que lhe ia pondo a terra por cima, para desanuviar o semblante do rapazito, comecei a brincar com ele. Sugeri-lhe então que rezássemos uma oraçãozita, pondo entretanto uma cruz de madeira a assinalar a sepultura tal como se estivéssemos perante um funeral de gente. O rapazito anuiu, já mais ou menos sorridente. Ajudou, inclusive, a atar com um fio a cruz que depois colocámos sobre a finada lá no sÃtio onde já só se via um montinho de terra. A partir daÃ, o rapazinho só me falava da galinha - para onde é que ela ia e mais isto e mais aquilo. E eu caà na asneira de estabelecer para as galinhas a analogia do céu das pessoas omitindo deliberadamente o inferno, porque essa parte é sempre a coisa de que menos se gosta no além, segundo julgo. Calhou ser numa fase em que o miúdo começou a ter a percepção da morte. E nessa noite, tendo já certamente ouvido falar de almas penadas, quando ia para a cama o garoto lembrou-se de me fazer uma pergunta difÃcil segundo o conceito da existência de fantasmas: - Ó titi, e se galinha me aparece? - Se te aparecer, tu dizes-lhe boa-noite. - Ui, que medo! – E estremeceu os ombros. Mas um medo dos mortos como o medo do meu sobrinho foi aquilo que o coveiro da notÃcia não teve, nem pelos vistos terá algum dia...De contrário, teria coberto o falecido com os sete palmos de terra que lhe pertenciam, não fosse ele ou a sua alma tomá-lo de ponta por ele cumprir o horário do fecho do cemitério assim tão à risca, deixando-lhe a sepultura meio aberta, meio tapada... Ou mais ou menos... Com todo o respeito que o caso me merece. Mundo de loucos! E pronto!
Aqui está o meu abre-latas de domingo, 27 de Maio de 2007.
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