Maria Gabriela de Sá
|
|
« em: Agosto 04, 2016, 21:01:34 » |
|
Quando imagino o Paraíso, vejo logo uma Eva com três parras. Uma que lhe cobre o púbis e outras duas o bicos dos seios. É assim que aparece nos quadros da maioria dos pintores e a minha criatividade não vai ao ponto de a imaginar de t-shirt e calças de ganga justas ao corpo, a desencadear um piropo a um homem galanteador.
Quanto a Adão, vê-se que ficou prejudicado em parras. Mas o que lhe falta desse vegetal sobra-lhe em vinho. Tradicionalmente, os homens gostam um pouco mais da pinga do que as mulheres a quem, quem lhes tirar o chá, tira-lhes tudo. E, quanto a maçãs, pensando ainda no Paraíso, também se sabe que é um fruto mais apreciado pelo sexo masculino. De tanto gostarem dele, têm-no até hoje enterrado na garganta à espera de um acontecimento sobrenatural que o livre definitivamente das tentações. Tanto de serpentes paradisíacas como de maçãs colhidas no mesmo pomar.
Ocorreu-me isto hoje quando vi algures escrito “Vista-se com o que a natureza lhe dá”.
A minha ideia, mal li o que li, foi imediatamente para o primeiro vestido da minha tetravó bíblica. Sentindo cá em baixo os pés frios como o gelo, com pena dela, desejei entretanto ardentemente que no Paraíso fosse sempre verão.
Vistas bem as coisas, devia ter sido enquanto as coisas não se degradaram… De outro modo, tanto ela como o avô Adão teriam morrido à nascença de hipotermia e eu não andava para aqui a debitar tanto disparate… Mas, as coisas foram como foram. Eu e mais n criaturas nascemos, ao longo dos tempos e, além disso, cada um nasceu para o que nasceu. Pelos vistos, as vocações e os dons não são da competência de cada um, antes nos são dados por Deus e eu nasci com a missão de dizer disparates.
Já outros, por exemplo, nasceram para chatear o parceiro do lado das mais diversas maneiras. Também há quem tenha nascido para cumprir neste mundo elevados ideais. Por exemplo, ainda, Barak Obama, embora o ideal dele esteja todo escaqueirado pelo idealista anterior, tem uma grande missão pela frente. Para isso tem que ter nascido com muitos dons para poder fazer bom pão de uma farinha tão adulterada como anda a da nossa queridíssima América. Tem mesmo que ser assim, a terra de todos os sonhos tem de ter à frente, não um indivíduo com um único dom, mas sim uma pessoa que seja mais ou menos um catálogo de prodígios e a quem baste estalar os dedos para a cura dos males do mundo.
Voltando ao meu exemplo pessoal, se eu vim ao mundo para borra-botas, outros haverá que andarão permanentemente com as botas borradas. Imagine-se, v.g., um agricultor que se dedique à criação de vacas... É natural que, tendo de limpar o curral, ande praticamente sempre com as botas borradas. E isso não é desprestígio nenhum. Antes pelo contrário!
E cá temos mais uma coisa com que nos vestirmos, a pele de vaca. A pele de uma vaca daria para mim, neste frio de zero graus aqui no meu termómetro, ou perto disso, um belo casaco de peles. Ainda que os defensores dos direitos dos animais venham de argumentos em riste para defender essas criaturas de Deus chamando-me, se não assassina dessas pobres criaturas, pelo menos conivente com isso.
Mas, então, perguntou eu:
Por que é que ainda há tão poucos vegetarianos e por que é que todas as vacas não são sagradas? E os suínos cuja pele também dá para umas jaquetinhas?! Por que é que não lhe é também concedido o estatuto de animais sagrados?!!!
Tudo isto é para mim uma grande confusão. E assim é-me muito difícil vestir-me com o que a natureza dá, seguindo à risca os conselhos que li algures.
Pensando bem, da natureza, da vegetal, porque a outra, como as pedras, parecendo muitas vezes morta, tem uma enorme vida (quando mais não seja, a vida que lhe dão os olhos que a contemplam…) só conheço o algodão, cada vez mais caro, e a seda que, essa sim, está pela hora da morte. Além de que, para tapar o frio, a seda não dá jeito nenhum. Já a lã é o que se sabe, mas se a tirarmos às ovelhas e aos lamas, não correrão eles também o risco de morrer com a tal hipotermia depois de tantas alterações climáticas?
Dilemas e dons de quem nasceu para o que nasceu… Mas eu, borra-botas como sou, vou de imediato iniciar aqui uma petição. Vou pedir a Deus que reveja o dom ou os dons que me deu.
Para começar, reivindico o dom de cheirar à distância os vigaristas que enriqueceram rapidamente como muitos que andam por aí a fazerem-se mais inocentes do que a pomba do Espírito Santo mas cujo cadastro já tem mais assinaturas do que as que o diabo tem no inferno. Mesmo daqueles que só foram para lá à custa de boas intenções. Não dizem que de boas intenções está o inferno cheio?
Sendo assim, se o diabo fizer uma gestão racional do espaço e não misturar os vários graus de acções e intenções, onde é que estarão verdadeiramente os bandidos?! Nos bancos, nas escolas, nos governos, nas polícias e por aí adiante?
Se calhar, eles “andem” por aí, num qualquer Paraíso…Fiscal, de tronco nu e com uma parra a tapar-lhes a vergonha que o demo há muito fez coincidir com sexo, dinheiro e poder...
Gabriela Sá, num frio Dezembro, do ano da desgraça graça de dois mil e oito, com o mar a engolir a praia de Francelos, os professores em greve, Dias Loureiro caluniado, o Boavista na sarjeta, a fome a sair à rua depois de ter perdido a vergonha, os velhos abandonados em lares e milhares de pessoas sem trabalho… Enfim, o Paraíso Natalício desta pequena espelunca…
Será que é assim, pobrezinhos, que Jesus nos quer?!... Ainda veremos o Paraíso…
|