Maria Gabriela de Sá
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« em: Dezembro 05, 2016, 14:12:02 » |
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Todos os anos é a mesma coisa, uma overdose. Logo em Outubro, chegam as belas meninas à publicidade da TV, meio despidas, meio vestidas, segundo a "Teoria do Copo a Meio". Mas, não vêm só. Pela mão, trazem os belos meninos, também em modo praia e férias de verão, mostrando os tabletes peitorais, que, em modo provocação, sugerem a compra do que anunciam, perfumes. Entre perfumes masculinos e perfumes feminismos, acantonados em frascos ousados e sensuais, não sei quantos haverá. De Paris a Nova Iorque, de Londres a Hong Kong, de Milão à Tailândia, os perfumes devem rondar os mil, sei lá: Dior, Givanchy, Chanel, Carolina Herrera, Paco Rabanne, J’Adore, Dolce e Gabana… Para já, não me lembro de mais nenhum. Também não importa. Por mim, os perfumes podiam ser todos despejados numa sanita qualquer, que eu não teria qualquer pena. Não os compro, nem os uso. Apesar de ter sido toda a vida um vidrinho de cheiro, a quem sempre foi difícil contentar, antigamente não era assim. Dona de um nariz de cão, mas, mesmo assim, com gosto por perfumes, apreciava, de algum modo, os cheiros para os homens por os achar menos doces. Sabendo disso, os meus amigos, no tempo em que ainda havia algum dinheiro para prendas de aniversário e de Natal, de vez em quando, lá me davam um frasquinho. E eu doseava-o frugalmente ao longo de um ano. A ponto de ele resistir até ao evento festivo seguinte, quando sempre haveria a hipótese de receber um novo vidrinho.
(Com excepção de uma época, em que um dos meus sobrinhos, então com seis anos, vendo o frasco vazio por desleixo dos meus amigos, tenha resolvido acrescentá-lo com água) … Depois, tudo mudou. Para pior. Se a vesícula, nos meus tempos de menina e moça, ainda se comportava com alguma tolerância a alguns perfumes, quando a tiróide resolveu avariar, mancomunaram-se as duas, dispostas a fazer-me baixar ao hospital só com a simples passagem na rua de uma mulher enfrascada de Carolina Herrera, Chanel Cinco ou idêntica fragrância.
Desde essa altura, o meu nariz perdeu too o glamour do mundo dos perfumes, empregando a nova aptidão na descoberta se a sopa tem sal, se o bacalhau está demolhado, se os vizinhos vão comer esparguete, ou batatas fritas, cujo odor seja capaz de perfurar os tijolos para se infiltrar nas minhas narinas.
(Por tudo isto, sei há muito por que nunca consegui ler o livro de Patrik Süskind, tenho tido medo da tal overdose e de ir parar ao hospital com anosmia permanente…) Lembrei-me de escrever sobre isto depois de mais uma insónia, quando transformei a noite em dia e matutei em biliões de coisas a olhar para a televisão e vendo o dia clarear, enquanto filosofava sobre grande parte dos meus “indiferentes”. Ou, pelo menos, mais um, os doces. Com as meninas e os meninos da publicidade da TV, no mesmo tempo, são os Ambrósios e as senhoras, os “mons chéries”, os tabletes e açúcares em geral que se apresentam com se apresentam no quartel os mancebos para a recruta da época.
(desculpem mas eu não individualizo os mancebos das mancebas com é moda agora).
E eu, que me pelo por um salgadinho, um presuntinho, uma boa feijoada, ainda não reduzida e encarquilhada com o calor das estrelas Michelin, em noites de insónia indomável como a desta noite, dou comigo a amaldiçoar certas coisas, como os perfumes e a publicidade voraz que se lhes faz. E, sobretudo, o facto de nos verem como carne para canhão, ao fomentarem o consumismo de Natal de que afinal somos nós os culpados. Durante as minhas lucubrações nocturnas, fui ainda mais longe: lembrei-me de uma carta, aberta, ou fechada, não importa, talvez petição com circulação no facebook, o jornal nacional de quem não tem voz em mais lado nenhum, que certos vultos de peso na vida nacional, incluindo da igreja e da literatura, a insurgir-se contra o negócio “Fátima”, das imagens, dos santinhos, de pau são ou oco e a pedir ao Papa Francisco que não pactue com o embuste Fátima e que não venha cá institucioná-lo ainda mais. Já agora, pergunto eu: Não poderiam fazer o mesmo com o Natal? Depois disto tudo, acordei às horas em que Cristo morreu no Gólgota, fui ler um livro (felizmente acabou, que seca!..) para a Costa Nova. Havendo quem cace gambuzinos, pokemons ou coisas assim, eu fui caçar nuvens. Bem bonitas por sinal...
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