Nação Valente
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outono
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« em: Fevereiro 15, 2018, 22:25:58 » |
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Quando era menino e moço, embora pouco menino, vivia num local de horizontes fechados por montes, que como adamastores nos enclausuravam o destino. Apesar disso, não era um sÃtio desagradável. Esses montes cheios de mato, urzes e flores na primavera, como rostos ornamentados com barba colorida, eram como elementos de uma famÃlia solidária. Por entre eles serpenteava uma ribeira calma e serena, excepto no tempo das chuvas em que, de quando em vez, perdia as estribeiras e levava tudo na sua fúria. Essa ribeira, no verão,corria de mansinho, alternando o burburinho dos correntes com a quietude dos pegos. Todos eles tinham sido baptizados com nomes. A canção que me inspirou esta escrita fez vir à memória o pego do linho. Ali mergulhavam os molhos dessa planta depois de feita a colheita. Ali ficavam nove dias e nove noites em repouso até, num processo de decomposição, perderem a parte exterior do caule, para se poder libertar a fibra. Nós os moços, ainda sem ocupação profissional, passávamos grande parte do nosso tempo nas águas frescas da ribeira, mergulhando e nadando nos diversos pegos, em total liberdade e em pêlo. Só rapazes, porque as moças não tinham a liberdade da nudez em espaço público. O único pego que não nos podia receber, era o do linho, porque esse estava sempre reservado para o processo de transformação da planta em tecido, ainda em uso nessa época. Depois de sair da água, o linho, como um principiante em qualquer arte exotérica, passava por diversas fase de limpeza até metamorfosear-se em fio. Um trabalho duro era feito pelas maçadeiras que o preparavam , antes de chegar à roca e ao fuso, onde debutava como fio. Era uma tarefa para o serão, ou para as mulheres mais velhas, menos aptas para as duras tarefas do campo. Ainda vejo a minha avó paterna, armada de roca e fuso, sentada numa sombra, desafiando o estio, ou no aconchego do fogo, no inverno, a fazer nascer o fio, de entre os seus dedos calosos.
Maçadeiras do meu linho Maçai o meu linho bem Não olheis para o portelo Que a merenda logo vem (canção popular de trabalho-Minho)
O fio passava pela meada até chegar aos novelos, que iam crescendo dia após dia, para acabarem no tear, que lhes dava a forma de tecido. Até chegar aÃ, o caminho fora longo, desde a sementeira até à colheita. Maçadeiras do meu linho, maçai o meu linho bem, maçai o meu linho bem, dai-lhe amor, dai-lhe carinho, pois que é filho de alguém, da semente que o criou da terra que o germinou e que um dia o pariu, para crescer e ser fio.i Os moços feitos homens, perderam o medo aos adamastores, e por montes e vales pouco navegados, abriram novos horizontes de esperança. Os adamastores ficaram cada vez mais sós. A ribeira continuou a correr, mas os seus pegos perderam a companhia do linho e dos corpos dos jovens “em pelãoâ€. As rocas, os fusos, os sarilhos, as dobadoiras, morreram de aborrecimento. Algumas, sobreviventes, emigraram para lugares chamados museus, lares de coisas sem préstimo real. Os adamastores cada vez mais sós,
perguntam ao vento que passa notÃcias desse paÃs e o vento com muita graça sorri e nada lhes diz e na sua solidão só resta a recordação
e a do cota-diano
Primeira Imagem, disponÃvel na Wikipédia Segunda Imagem: ribeira de Odeleite, baptizada pelo chineses como rio do Dragão azul
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