Nação Valente
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outono
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« em: Dezembro 13, 2019, 19:08:55 » |
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Sinto necessidade de fazer uma confissão. Se aderi à vida ligt do ponto de vista pessoal, há muito que a pratico em favor do bem-estar do planeta. Faço reciclagem de desperdícios, evito usar plásticos, quando me desloco em viatura privada prescindo de altas cilindradas e de motores mais poluentes. É apenas uma gota de água, que de pouco serve, se não for acompanhada por muitas mais, mas cumpro a minha obrigação. E tenho a consciência que os pequenos actos individuais são importante, mas de pouco valem se os que mandam no mundo, não colaborarem.
Neste modo em que vivo, tenho a minha consciência tranquila e não aceito que a mocinha Thunberg me acuse de lhe ter roubado a infância, como fez em relação aos cotas deste mundo, que ainda a aplaudiram em apoteose. Com as devidas distâncias, essa situação lembrou-me um discurso de Salazar em Braga, onde foi freneticamente aplaudido quando disse ,
“estou velho e cansado, precisava de descansar, mas olho à minha volta e não vejo ninguém para me substituir”.
Nunca acusei a geração que me precedeu de me ter roubado a infância. Antes pelo contrário. É evidente que a melhorou. Nasci e cresci na aldeia onde as ruas eram de lama no inverno e de pó no verão. Onde as casas eram desconfortáveis, frias ou quentes conforme a estação. Onde a escuridão só era ameaçada pela luz bruxuleante do candeeiro a petróleo, ou da candeia de azeite. Onde a prenda de Natal era uma Bic , um luxo, uns bombos, ou uma broas de milho.
Aquela geração que me criou e que se tinha alimentado a pão de centeio, já conseguia produzir trigo para si e para os filhos. E isso devido a adubos, a que chamavam guano, que vinha de uma fábrica poluente, onde matavam a fome milhares de operários. Essa geração que podia dizer que não teve infância, trabucava desde tenra idade para poder comer. A maioria não foi à escola porque tinha que subsistir. Nunca a ouvi queixar-se de lhe terem roubado a infância. Lutou, trabalhou sem horário para mudar a sua vida e a dos sucessores.
Com a Greta, perdão, Thunberg, para não haver más interpretações, não quero perder muito tempo . Não a contesto, nem a adulo. Registo o facto de ter dado ênfase às questões ambientais, cavalgando uma onda que já estava em movimento, e de que se apropriou. Mas se estivesse mais tempo na escola, deveria saber que a situação que hoje vivemos é resultado de uma evolução de séculos, e que começou a dar o grande salto tecnológico com a revolução industrial. E que o nível de vida de que hoje disfruta, a facilidade com que viaja é resultante desse processo.
Sei e creio que a maioria da população sabe que é preciso corrigir esse caminho, o que já está a ser feito. E a mocinha também devia saber que os responsáveis para o estado a que se chegou, com a construção de uma complexa engrenagem, não são apenas os cotas actuais, mas muito outros, que por muito que grite não a podem ouvir. Talvez o principal seja o Big Bang. Sem ele teria havido planeta? Esta engrenagem, tem que ser corrigida, mas não se pode parar, sem correr o risco de voltarmos à Idade Média com consequências dramáticas, a começar pela redução da população para mais de metade. Recuso-me a ser culpado, apenas por ter nascido, e ter o estatuto de cota. O facto é que também fui jovem.
Quando era jovem ia com outros companheiros a uma pastelaria onde convivíamos com os" cotas" de então que se juntavam à noite para ver televisão, uma coisa rara. Aprendíamos com as suas experiências e mostrávamos a nossa irreverência. Certo dia um de nós fez uma afirmação, que levou um dos adultos a perguntar: Ó rapaz, que idade tens? Dezassete, respondeu o visado Pois, tens a idade da parvoíce.
Idade da parvoíce. Que boa idade. Vivíamos o presente, não nos preocupávamos com o imaginário chamado futuro. Ficávamos felizes com uns escudos no bolso para comprar um doce. Gostávamos de gajas boas ou menos boas…o que houvesse. Respeitávamos os mais velhos e a sua sabedoria, feita de experiência. Como me deixei chegar a cota? Incompetência.
Para me esquecer um pouco da Greta, digo da Thunberg, meto os pés a caminho, respiro um pouco de ar puro, e vou até à Pastelaria Paraíso, beber um descafeinado, com o pretexto de ver a menina dos olhos tristes, mas pintados de beleza. Tenho ido menos que o habitual. Tomo café em casa, embalado em frasco de vidro, para não poluir. Quando entrei, a menina logo me reconheceu apesar da ausência, e disse com os seus modos simples e suaves:
-É um café sem café? -Não, é um café com café, mas sem cafeína.
Perante a sua surpresa, procurei explicar a diferença entre os dois tipos de café. Usei até o exemplo da fábrica Delta (passe a publicidade) onde mostram esse processo aos visitantes. Olhou-me com o olhar ternurento das pessoas despretensiosas que valorizam quem os ensina e disse: “muito obrigado, mas não sabia”
Para rematar a conversa e aliviar um pouco a ideia de qualquer tipo de superioridade, procurei simplificar: -Sabe, senhorita, a cafeína é excitante, e se a tomo não durmo, fico a dar voltas na cama, num tete à tete com os lençóis. Ainda se tivesse companhia que me retirasse o excesso de cafeína? Assim só lhe posso estar grato por me servir esse café descafeinado, do qual a senhorita é a cafeína. -Pois, ás vezes durmo mal, se calhar, também tenho de beber menos café…
Enquanto pastava os olhos pelos diários, que devoram também a natureza, dei-me a pensar se não devia desistir do café. Tanta fábrica a poluir. Mas ao mesmo tempo, pensei nos milhares de trabalhadores que vivem à custa dessa indústria e nos milhares de pastelarias que dão trabalho a tanta gente, incluindo a menina dos olhos lindos pintados de tristeza, que na sua singeleza, me parece feliz. Decidi ir vê-la mais vezes.
No meu destino de cota-diano não me sinto bem, com gente azeda. -
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