As duas moças eram amigas desde crianças. Estavam na açoteia desburgando ervilhas e partilhando os segredos que não consentiam confessar a mais ninguém.
“Ó Leonilde, temos de ter cuidado pois os telhados estão baixos. O que tens amiga?â€
Tenho o corpo feito em laré. Não dormi nada. O mata-mata dos cães mais o meu pai a cozer batata-doce toda a noite, não me deram aléu.
E temos esta estrafega das ervilhas para acabar. Mas conta-me lá essa história. Para ver se arrebito.â€
Foi anteontem. Fui alagar tremoços para o meu avó. E quando me vinha embora encontrei o Balecas.
“ Ai Lurdes, não me digas! Esse arranca-pinheiros?
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“ Ele pode ser feniscadinho mas não é nenhum franquelim, Nilde! E tem muita aportelência. Eu cá acho que ele é fura pasto.â€
“ Ai Deus meu, o que irá sair daÃ. Conta lá, vá.â€
“ Bem amiga não sei como dizer... Estamos fazendo meia azul...â€
“ isso já eu percebi pelo brilho dos teus olhos. Conta-me lá como é que começou. E não me escondas nada. Limpa o saco, anda.â€
“Ele com muita arreata começou a dizer coisas doces. Baldeou-me a cabeça. E beijei-o.
Não sei bem como foi mas quando dei por mim estava ele mostrando-me o cação!â€
“ Nossa Senhora! Viste-lhe o cação?â€
“Vi!â€
“ Ai Lurdinha, mulher, não me digas que aconteceu alguma desgraça...â€
“ Não aconteceu nada moça! Por quem me julgas? Foi só isso. Eu apanhei cá um cagorro que fugi a sete pés.â€
“ Ó amiga, então conta lá... Como é um cação de um homem?â€
“ Nunca foste à praia? Nunca viste um cação?â€
“ Sabes bem o que quero dizer. Não te faças de moga.â€
“ Muito sei eu! Foi muito rápido, nem olhei bem.â€
“ Ora bolas, miga, eu queria tanto saber... Vou morrer estúpida é que é!â€
“ Não digas patochadas! Olha deixa-me contar o pior. Vinha eu nas horas dum cabrão quando dei de caras com o Tónica. Ele tentou meter graveto, com um grande lambaré. Parecia-me alvoriado. Queria que eu fosse dar um passeio com ele. Mas disse-lhe: Olha filho, dar dói, chorar faz ranho. Ficou marafado!â€
“ Mecha! Esse homem traz uma ala-clara dentro dele! É um alcofinha, um bá-bá, um cabeça de azinho!â€
“ Isso sei eu. Desde que lhe dei um cabaço na sarrafusca do mês passado que ele não pára de falejar de mim.â€
“ Achas que ele viu alguma coisa? E o Baleco? Chegaram a ver-se?â€
“ Não sei Nilde. Mas tenho sonhas de que percebeu alguma coisa. E se ele conta alguma coisa à bichanina da irmã dele?â€
“ Aquela despacha-recados? Tem-nos um apelho de morte. Lembras-te do descabeço que tive com ela na tibornada na casa do Tio João? Ainda lhe dei um afegão de ganas. Aquilo à uma gaitona de canoeiras!â€
“ Olha Nilde, tenho de ir divertir águas. Fazemos um intervalo, na volta faço um chá de bela-luÃsa e continuamos a falar.
“ Traz-me um belisco de pão que já tenho ãibra.â€
“ Ora cá está. Toma lá que eu já sei que és mulher de muita agença.â€
“ Ai moça, assim fico gorda, não arranjo noivo. Nunca hei-de ver o cação...â€
“ Não te deites à paixão, Nilde. Tu és bonita, ramalhuda... Não podes é andar toda bajôja. Tens de comprar uns vestidos novos. Andar mais alagartada. Ir ao cabeleireiro. E depois és muito nova ainda. Nem vinte anos tens!â€
“ Deus te oiça Lurdes. Que eu não queria morrer sem saber como é o cação...â€
“ Ai mulher, não me besoires aos ouvidos com essa carpintina! Pronto eu vou explicar-te o que vi. Não tem muito que dizer, mas já que tanto insistes...â€
O diálogo continuou num múrmurio quase inaudÃvel pois há segredos que só se podem confessar a uma grande amiga. No Algarve ou em qualquer parte do mundo.