josé antonio
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escrever é um acto de partilha
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« em: Julho 24, 2008, 17:44:50 » |
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Maria fechou a porta, arrumou o tabuleiro de xadrez e foi ao quarto vestir o roupão verde. No corredor, parou frente ao espelho e abriu o decote até mostrar o sutiã. Ajeitou o cabelo, descompondo-o com os dedos. O filho brincava na varanda com dois cubos de plástico. Foi buscá-lo, beijou-o e deitou-o. Alberto voltaria naquela noite. Iam vivê-la juntos. Intensa e lentamente. Talvez voltasse com cabelos brancos ou mesmo calvo. Já haviam representado juntos " As Mãos Sujas " de Sartre. Ela fora a Jessica: " - Depois? Hei-de admirar-te, esconder-te, dar-te de comer, distrair-te no meu esconderijo, e, quando os vizinhos nos tiverem denunciado, hei-de deitar-me e depois, contigo, romper à força por entre os polÃcias e abraçar-te muito, dizendo-te: Amo-te..." Alberto demora. Maria sentou-se no velho sofá impregnado de sexo e amor e leu a última carta dele: " Podia dizer-te que estou frente ao mais belo e imponente palácio do mundo, mas a realidade é que estou junto a uma linha-férrea, ferrugenta, quase tapada pelas ervas que tomaram conta dela. Por muitos quilómetros, acho eu. Do outro lado da linha, existe uma torre com os vidros das janelas, todos quebrados. para lá da torre, existe um cemitério e muitos carreiros que conduzem ao mesmo. Mas apenas têm a largura suficiente para passarem com a urna. Depois, há um regato com um punhal. Uma cabana coberta com colmo. Meio metro à frente da cabana, está uma cruz tosca com um nome gravado que não se consegue ler. De todo. Porque terão enterrado ali alguém com um cemitério tão perto?"
Repetiu a leitura da carta que nunca entendera, várias vezes.
Maria esperava Alberto desde a promessa do último Verão passado juntos. Sempre desejara parecer-se com Vénus e enrolada num tule cor da neve esvoaçar até Alberto a apanhar, carregado de ternura explodindo de paixão... Deu a meia-noite. Maria acordou com o roupão descobrindo-lhe as coxas, trazendo-lhe o frio da madrugada e da ausência de Alberto. Foi à varanda. Apenas as velhas lhe vigiavam como sempre a porta do prédio e o estupor do filho da vizinha que cismava em casar um dia com ela, miseravelmente carregado de tabaco sem pernas, nem rabo, nem...
Se Alberto chegasse ia dar-lhe a noite mais cheia e longa de amor. Seguiria o conselho da tia Armanda, algures na Argélia: " O corpo é como um fruto, nasce suculento, vai amadurecendo até ser o mais apetecido e se não o colhermos acaba por cair, maduro, murcho ou podre!"
Sete da manhã. O rádio acorda-a com as notÃcias de sempre. Alberto não chegara. Maria levantou-se, limpou o batom que cuspira no tapete enquanto dormia, arrumou as taças do champanhe, as fotografias com Alberto espalhadas pela sala, acordou o filho, levou-o à escola e no regresso a casa trocou caminho para ver o mar esquecida da vida, de Alberto, dos homens...
Maria expirava um bafo gélido e tinha nos olhos um olhar ferido.
No pescoço, o sinal que Alberto costumava beijar carinhosa e avidamente...
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