damasco
Membro da Casa
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Frase é uma palavra. Palavra não é uma frase.
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« em: Agosto 19, 2008, 23:30:56 » |
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Lá andava ela, a prima, de um lado para o outro, o feixe de cabelos pretos a enrolarem-se na areia. Digo-o assim à distante de quase um milénio. Apoiado sobre os óculos, aqueles aros, como poderiam eles ser feitos assim?, ferrosos, granulosos, atados por um penso rápido, cola a escorrer pelas bordas, num sono de fim de tarde. - E o sumo de laranja? O céu quase a chegar ao fim, o Sol do fim da tarde a acompanhá-lo. Um falso fim de tarde, as nuvens à frente, a martirizarem o que faltava dela. - E o sumo de laranja? As riscas azuis e brancas da barraca a rirem-se, acompanhavam a ligeira brisa, o tecido a esfarelar-se pelo uso. De todos. A miúda logo ao lado, irrequieta, a meter-se com o cão, puxa-lhe o pêlo e ele gane, desautorizado. Em cima do cavalo de madeira, a loira. Os turistas bem se separavam dos outros, camisolas berrantes e chinelos, compenetrados em ver as coisas todos. A mãe a barrar de creme os miúdos, o pai de volta da bola. Era melhor que regressássemos de imediato, o sol ali no meio daquelas duas nuvens gigantes avisa que vai chover. E ninguém sem pressa. Havia a manta, as toalhas, todos aqueles frascos espalhados na areia, a malinha preta farta de comer areia, dedadas espalhadas nas alças, os segredos lá dentro, o protector solar 50 e não sei que mais. Dentro da barraca a avó ressonava. Talvez seja melhor dizer roncava, apanha-se melhor o som. Os vizinhos incomodados, de cara fechada, inquietados e fartos de espreitar. Mas a ela ninguém a acordava, nem pensar! E a mãe, onde andava? Enrolada no mar, fato completo preto, molhada das ondas e a salivar mar, a chapinar com um pato, não grande aventureira que a imensidão a assustava. Mãe! Lá vai o pequeno perdido, o andar de pato, pés abertos para fora, equilÃbrio trôpego, o traquina do miúdo, bracitos levantados de contentamento. À frente, o mar que se abre grande e forte. - Vamos ao ar, Anselmo! puxado de repente, projectado, pulmões em sobressalto, as farripas do cabelo louco com o vento. (- Está ali o sol entalado entre duas nuvens gigantes, mãe.) era o que te queria dizer, tu sem dar importância. - Ao ar! (já a esforçar as axilas, Mãe, que começa a doer.) A avó acordou, olhos desabotoados, a ver se encontravam a casa, o vestido de cornucópias violeta e amarela, amarrotado, a apresentação desaconselhada, há que fazer alguma coisa. Puxas a borda até aos artelhos, esticas com contenção e esperas, as rugas a desfazerem-se, a esquerda a amparar o carrapito, meio de lado, ganchos desencaixados, uma remela ao canto do olho. Meio espavorida - Andemos lá que é hora! a falar sozinha, a velha disse-se, que me hão-de pensar, murmurou. Envergonhada, cara fora da barraca, a saber se alguém a ouviu. Eram lá todos ao fundo, uns a fazerem os outros a verem outros a verem quem via, sucessivamente. Chama-se a isso socializar. Perdão pela lição escusada. A avó, cabeça fora a barraca de um lado para o outro, por trás do pano o riso contido de horas dos vizinhos, justificando-se no direito de. - Ao ar, Anselmo. (na borda, na orla, na praia, no mar, Mãe!) Ainda as ondas se enrolavam quando as nuvens cegaram o sol e por ali ficaram, o vento a esforçar-se, a iniciar o esganiço. As ondas a esfriarem, a enegrecerem, a espuma a estoirar mais rápida. Um arrepio rápido a subir-me pelas pernas, os lábios a endurecerem roxos. Lá em cima, a avó levantada depois de três ensaios, cujos resultados iniciais ficaram por duas quedas desamparadas, um delas em cima da malinha preta que fez crrrr a doer-se.
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