Pedro Ventura
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« em: Agosto 25, 2008, 21:06:58 » |
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Dos meus cinco irmãos, eu fui o único que sempre se interessou pela pintura, muito por culpa do meu pai, que exercia essa nobre arte nos tempos livres, como forma de olvidar o duro trabalho na fábrica de cortiça. Meu pai tinha uma espécie de atelier no sótão, onde coexistia uma amálgama de cores e cheiros, e onde pintava telas que ficavam a ganhar pó, anichadas a um canto, ou à espera de um comprador que faltara ao negócio, pela aflição de o dinheiro não chegar para pôr o pão na mesa. Desde muito cedo que encetei a esboçar os meus primeiros traços, e digo-vos, já denotava muito jeito para a coisa. Decorriam então os idos anos 70, antes da revolução dos cravos, nesse tempo em que as privações rondavam as casas de muitas famÃlias – a minha era uma delas -, e eu tinha nove anos. Certa vez, ao jantar, entre colheradas de sopa de feijão e broa de milho, no esvoaçar de uma conversa, o meu pai proferiu: - Nesta casa ninguém vai ser pintor!.. Esta frase exclamativa, na altura soou-me a uma interrogação. E eu, não fiz mais nada, no dia seguinte subi ao sótão, e coloquei os meus dotes escondidos e pueris numa tela. Fiz um barco a vogar num imenso mar adormecido. Quando o meu pai tornou a casa e subiu ao sótão, de lá, desceu um grito inflamado: - Quem é que esteve aqui a mexer? Quem esteve aqui a pintar? Subam aqui todos! – gritou para todos os irmãos. Enfileirados e amedrontados com o que dali poderia surgir, subimos as estreitas escadas de madeira. - Quem é que foi o artista?! – perguntou. E eu, com o maior orgulho do mundo, como se lhe fosse oferecer uma imensa alegria, e lhe fosse delir da cara o cansaço que trazia da fábrica, respondi: - Fui eu, meu pai. E, de lá, surge um inopinado bofetão, o primeiro de sempre, que me fez a cara em lágrimas e me assarapantou as ideias. - Que quer isto dizer?! Queres ser pintor?! Reduzido à minha pequenez, e a enxugar as lágrimas à s mangas da camisa, retorqui: - Sim, meu pai. Gostava muito… - Eu também gostava meu filho. Não vês que se fores pintor vais morrer à fome? Continua a dar o melhor nos teus estudos que é a tua obrigação... Nunca me esqueci destas palavras de meu pai, e mormente daquele bofetão. Gostava que ele ainda estivesse vivo, para lhe provar que estava errado e que nunca morri à fome.
2007
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