RosaMaria
|
|
« em: Outubro 09, 2008, 19:13:37 » |
|
Dou comigo a pensar, que poderia ter sido tudo diferente, poderia ter sido um conto de fadas, mas o desfecho foi bem diferente… Parece que foi há muito tempo… tantos anos… será? Era menina ainda. Tinha quinze anos, um corpo de mulher, um rosto bonito, sem ser belo, uns olhos que ameaçavam devorar o mundo, tamanha era a ânsia de ser feliz… Morava com os meus pais numa casa humilde e carente de tudo. A minha mãe, escrava de manhã à noite, quase não tinha tempo para se aperceber da menina, que despontava mulher. A sua vida era difÃcil, o dinheiro pouco e tinha de ser escondido, senão o pai dava conta dele no jogo e nas mulheres. Ia vivendo assim desprotegida, sem grandes afectos e desejando ter uma vida diferente daquela. Tenho a sensação que tudo começou naquele dia, que me pareceu normal, como tantos outros que corriam iguais. Vinha do liceu com uma amigas. Pensaram ir tomar um café, mas eu disse que não podia, estava atrasada… uma pequena mentira para não ter de confessar que não tinha senão o dinheiro para o autocarro. Tenho a certeza que elas perceberam, pois insistiram e lá fui, mas envergonhada. Entramos naquele café. Numa das mesas, estava um grupo de rapazes a quem nos juntamos. Um deles, era incrivelmente bonito. Creio ter ficado logo apaixonada, não conseguia deixar de o olhar e ele também me fixava… Passaram-se os dias e os encontros aconteceram. Um amor bonito tinha nascido. Apenas uma coisa me incomodava. O Tiago, era assim o seu nome, não permitia que eu olhasse para ninguém. Parecia um ciúme doentio, mas era porque me amava muito,,,pensava eu! Dois anos depois eu e o Tiago estávamos casados. Nasceu a nossa Carolina, ela era a menina mais linda deste mundo… nunca fui tão feliz… A primeira vez que eu senti aquele corpinho no meu, chorei de felicidade… beijei-a, sufoquei-a de mil carÃcias. O Tiago começou a ficar diferente. Quase nem olhava para a nossa filha e as crises de ciúme eram agora uma constante. A menina chorava, ele gritava, eu suplicava o seu amor …. e começou o inferno. Trabalhava num loja de roupa masculina num centro comercial. Comecei a não ter coragem de ir trabalhar, pois eram tantas as nódoas negras no corpo e na cara… Um dia tive de ser socorrida no hospital. Estava grávida, tive medo de lhe dizer e quando ganhei coragem para o fazer, foram tantos os pontapés, que acabei por perder o bebé. Fui despedida por faltar tantas vezes no trabalho. Pouco tempo depois o Tiago abandonou-me e assim me vi sozinha com a Carolina. Senti-me perdida, sem tábua onde me agarrar. Foram dias, meses seguidos numa incerteza constante. Não conseguia encontrar trabalho, não tinha dinheiro, valeram-me os vizinhos que generosamente não deixaram faltar nada à Carolina. Finalmente consegui empregar-me como mulher a dias e, apesar de ganhar pouco, já me sentia com ânimo para dar um novo sentido à minha vida. Um dia… Era uma manhã de sol e calor. A Carolina saltitava com a vivacidade própria dos seus cinco anos., Tão contagiante, tão despreocupada! O jardim infantil onde habitualmente Ãamos, era um rodopio de crianças soltas e felizes ao encontro da brincadeira. Desde o escorrega ao baloiço, da areia à relva, tudo convidava a acrobacias quase parentes do mágico circo. Tudo parecia inocentemente preparado para permitir um sossegado e delicioso bem estar. Mas, sem avisar, a desgraça aconteceu. A Carolina em desequilÃbrio caiu do baloiço e bateu com a sua cabecinha numa estúpida pedra, pateticamente perdida naquele lúdico lugar. Um grito, - que me corre ainda pelas veias -, um corpinho franzino dolorosamente esfarrapado de dor e a angústia estampada naqueles olhos azuis, fez-me cair na realidade e entre gritos e súplicas, transportei-a, no colo, ao hospital que ficava ali perto. No hospital nada puderam fazer, senão com cuidadosas e escolhidas palavras dizerem-me: - Tenha coragem minha senhora, chore porque lhe fará bem… a sua filha morreu. Não sei o que aconteceu depois. Penso que gritei, supliquei piedade, disse que era mentira, e fugi para não sei onde, como que envolvida em chamas que me consumiam as forças, a razão, o desejo de vida. Acordei, tempos depois, numa cama de hospital dolorosamente partida e estupidamente inconsciente do sucedido. Contaram-me mais tarde que me tinha atirado de uma ponte e ficara dois meses em coma. As feridas fÃsicas passaram depressa. Mas nada me importava, nada me fazia sentir viva… Já se passaram seis anos . Dói-me a alma deste corpo tão cansado do uso de carÃcias pagas. O meu rosto, outrora belo, está sem brilho, apenas sombra de um passado que não consigo esquecer. Trabalho numa casa muito especial! Atendo cavalheiros com gostos diferentes e singulares. Deixei de ser a Celeste, agora sou Soraya! Hoje, conheci um Tiago! Estranho este homem! Gosta de levar pontapés excita-se apenas quando é pontapeado. Olhei-o demoradamente, e com uma felicidade estampada no rosto disse-lhe: -Terei o maior prazer em te satisfazer querido!
Rosa Maria Anselmo
** Mais uma pequena tentativa nos caminhos da prosa! Eu bem tento, mas... espero os vossos comentários com expectativa. Antecipadamente grata.
|