A minha morada

[Luis F]

Vivo no claustro, morada que me alberga, no íntimo do meu ser. Fecho a cortina ao mundo, isolo-me do quotidiano que me cerca, tapo a luz e ali fico no silêncio, lacrando as minhas palavras em agonias neuróticas... Louco talvez, mas quem não tem um pouco de loucura em si?
Sinto medo de me soltar, partiram-me as asas, não me deixam voar e ali fiquei, preso num grilhão, amordaçado… Com medo, no canto da sala remeto-me ao silêncio, ao isolamento, fantasma que habita na penumbra dos seus sentidos. A luz que teima em entrar pelas fendas da parede, rasgando assim o negro, causando-lhe suaves feridas, talvez sinais de futuro, como chamando por mim.
Ali fico, sentado, ou mesmo deitado, esperando algo, não sei bem o quê, mas sem me preocupar... dando tempo ao tempo, numa comunhão única que me abraça.
Tento recordar palavras mágicas repletas de esperanças, que me permitiam rasgar o horizonte rumo ao céu, anjo que se liberta… Mas nada me ocorre, não consigo, o medo é mais forte que eu.
Quem sou? Esta amnésia que me afoga e me rouba a natureza do meu ser… e de mãos vazias, ásperas do trabalho, que moldaram sentimentos. Refugiei-me no silêncio, afinal talvez seja mesmo um fantasma, sem rosto e sem morada… nos porquês e nas ausências de respostas, que nem sempre a lucidez traça o rumo.
Perante o tribunal da razão, o interrogatório final, tentando arrancar a confissão ao meu pecado... sem sucesso… Terei cometido algum crime?
Reflicto… de olhos postos no chão, sentindo as pedras frias tocando os meus pés…
Talvez tenha cometido penso afinal… mas o único que me lembro, foi o de querer atingir a felicidade, de querer embelezar rostos, e arrancar sorrisos e até lágrimas, a quem desfolhava os papiros que eu escrevia.
Afinal… já moldei sonhos, alquimia de palavras que libertava sem pudor, escrevendo versos, poemas que alimentava a fome de quem lia… como fonte de água que escorria na encosta em arco-íris.
Deixei-me levar pela minha própria imaginação e apenas sonhei que isso acontecia. No claustro da minha morada… fico no silêncio, esperando que o tempo me sucumba e me deixe voltar a voar… atingindo o céu e assim ser feliz.

[RosaMaria]

Olá Luís
Ler-te em prosa já deixou de ser novidade.... e que tanto gosto!
Esta morada é meia sinistra, melancólica, e tenho a certeza que não é onde tu moras, porque onde tu habitas há muita luz, sorriso e felicidade.
parabéns
jinhos
Rosamaria

[Goreti Dias]

Uma prosa poética muito boa. E muito séria! Afinal, de que pecados nos acusam?! "o único que me lembro, foi o de querer atingir a felicidade, " Tu respondes por muitos dos que desfolham os papiros que escreves!
Bj

[britoribeiro]

Afinal... em prosa ou em poesia, a qualidade a que nos habituaste. Gostei muito.

Abraço

[damasco]

Olha o Luís F., por estas bandas e a prosar! Gostei de ler.

[vitor]

"Afinal… já moldei sonhos, alquimia de palavras que libertava sem pudor, escrevendo versos, poemas que alimentava a fome de quem lia…"

Bela a poesia desta prosa carregada de qualidade. A pureza da sua escrita, o navegar de metáforas a embelezarem o corredor da sua história. Parabens Luis F.
Vitor Burity

[helenacosta]

 Apesar de ser uma morada triste. Existe muita beleza no seu interior. A procura da felicidade.

 Beijo

[Luis F]

Obrigado a todos os amigos que comentaram esta minha aventura na prosa

Saudações poeticas a todos

Com amizade
Luis

[Djabal]

Esse sentimento de culpa por algo que não fizemos, ou o medo que nos atinge sem nenhum motivo aparente, fica como um perfume no ar. Felizmente, em sua narrativa poética, existe ainda uma solução, lá mais adiante. Meus parabéns. Faço-me aliado dos comentaristas. Abraços.

[Luis F]

Agradeço o comentário e as palavras contidas no mesmo que me deixa feliz.

Com amizade
Luis