Nação Valente
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outono
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« em: Outubro 19, 2011, 18:45:21 » |
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Moça de Braga
Num tempo em que o serviço militar era obrigatório, tive de cumprir durante três anos, como muitos outros, as minhas obrigações de cidadania. Nessa experiência que considero positiva e enriquecedora aprendi importantes valores cívicos, como a solidariedade, o espírito de grupo, a entreajuda, a amizade, o respeito e a disciplina. Mas aprendi também a conhecer melhor o meu país. Nessa época de isolamento, os quartéis eram reproduções miniaturizadas do país real.
Nos vários quartéis, convivi com jovens de muitas regiões de um Portugal, que só conhecia dos áridos livros de geografia. Em Tavira, por exemplo, conheci o Meireles de Mirandela, o Santana de Cedofeita, carago, o Justiniano da Vidigueira, porra, o Zé Manel de Barrancos, conho, entre muitos outros, caraças. Na Trafaria, ajudei a comandar um pequeno destacamento de tropa fandanga, que guardava umas velhas peças de Artilharia de Costa já reformadas pelo advento dos mísseis. Nesse familiar quartel havia, entre outros, o " Passatempo" de Moncarapacho que rondava os bares da Costa na prestação de serviços sexuais pagos para arranjar umas coroas p´ro o tabaco, o imberbe "Rojão" pescador da Póvoa e cozinheiro improvisado e o seu ajudante, o João de Braga.
Há uns meses, ao calcorrear as ruelas dessa bonita cidade, lembrei-me do João.Tenho ainda uma vaga ideia do seu porte algo rude, das suas maneiras simples e despretensiosas e da sua vontade que o tempo passasse depressa para voltar à sua terra, onde o esperava uma cachopa casadoira, com quem trocava frequentemente cartas de namoro. Por distracção ou não, deixava essas cartas abertas e à mão de semear de gente sem acesso a muitas oportunidades de leitura. Isso explica, em parte, que os magalas utilizassem esses textos como motivo de terapia colectiva. Sem terem a qualidade das cartas de amor de Soror Mariana e não tendo ainda sido publicadas as novas cartas portuguesas das três Marias, os curiosos leitores deleitavam-se com a prosa de português vernáculo que a moça usava sem parcimónia. O que fazia as delícias do grupo-leitor, mais do que o conteúdo, era linguagem ousada mesmo para padrões militares. Português genuíno e vernáculo do melhor. Não me atrevo a reproduzí-lo aqui, para não ser ostracizado por linguagem imprópria, mas tirando uns artigos, umas preposições ou umas conjunções, o vacabulário utilizado reduzia-se à utilização de vogais e das consoantes c e f com uma ou outra excepção. É fácil imaginar sem falso pudor. Hoje, décadas passadas, vejo nessa "in"genuinidade linguística da então noiva de Braga, a essência de uma nação cuja riqueza reside na sua assumida diversidade.
MG
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