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Autor Tópico: O NATAL DOS SILÊNCIOS  (Lida 1014 vezes)
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António Casado
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« em: Dezembro 17, 2013, 18:10:15 »

O NATAL DOS SILÊNCIOS


No Natal deixo a minha alma vogar com o frio
E um arrepio
Estremece de penas e martírios a minha piedade
Que come sentada numa mesa vazia
Que dorme numa cama de plumas e relento
Que vagueia pelas ruas à procura da família fantasma
Colada numa caderneta cinzenta de autocolantes coleccionáveis!

Neste Natal
Um entre os demais natais que já se cruzaram comigo
Pelas esquinas do tempo, pelos tectos do relento
Nas sombras dos desejos infantis, nas crenças adultas
Aguardo que um sorriso traga no sapatinho a prenda esquecida
Da minha inocente infância pobre e nublada
Como a inocente espera pela meia vazia
Das outras crianças…
Não sinto mais pena deles que de mim!

Como todos os poetas que escreveram sobre as montras do natal
Poemas condoídos de um condoimento arrasador e tépido
Também as fito, iluminadas, alegres, vivas, consumistas…
Também sigo com o olhar esgazeado de cores
As mãos dadas das crianças que impetuosamente correm para os
                                                              Brinquedos
Convencidas de que o pai natal que as agracia com sorrisos
Descerá pela chaminé dos sonhos e lhes preencherá as fantasias…


Meto minha alma ao rubro num clamor de gritos e digo:
“Deus ajuda estes pobrezinhos cheios de fome!â€
Depois sorriso para mim próprio ufano de ter revelado ao mundo
O cerne dos meus mais que urgentes anseios e preocupações…
Todos se levantam das bancadas da distracção
Viram o rosto para o flash das máquinas remissivas do tempo
E sorriem… Aplaudem… Aplaudem… Sorriem…
Porque todos vivem as minhas dores porque são dores gerais
Se lambuzam na minha piedade pela generalidade
E pedem ao pai natal que já não acreditam
A paz no mundo para a qual não contribuem…
Idiotas!
Assumo o papel ridículo de ficar bem na fotografia…
Faz-me bem ao ego…

Olhem para as montras! Olhem com olhos de ver!
Ver-me-ão especado por detrás do vidro fitando-os com severidade
Como quem tem o direito de julgar as atitudes dos outros
Para não se julgar a si próprio
Porque está por detrás da montra
E só por isso tem o direito de julgar os que o miram
Com os olhos de quem está do outro lado do vidro!
Vejam-me! Não choro nem rio. Estou tão-somente ali
Impávido como impávida está a vossa vida paralítica
Arrumada na poeira das estantes vazias dos salões em ruínas
À espera que uma aragem entre pelas frestas das janelas
E sopre o pó da inércia sobre o chão inerte da vontade inerte
De todos os desejos recalcados nos sapatos sem sola
Que puseram na chaminé do desassossego ao longo da vida!
Olhem para mim! Esqueçam o mundo que passa por vós
Porque dele já estais mais que esquecidos!
Não calquem os meus pés descalços de tanto caminharem para nada!
Não fardem a minha nudez de obrigações e delírios
Convencidos de que ela representa um delito e eu o compulsivo
                                                                 Anónimo
Que dolosamente pica as veias com as agulhas viciadas
De uma droga posta ao dispor da minha alucinação de esquecer o
                                                                Mundo
Que atrofia de razões a paranóia de uma crença em algo melhor
E exige de mim o espalhafato de um comício em forma de poema
Onde possa vomitar as minhas penas sobre as vossas penas
Para assim se mostrarem solidários com aquilo de que nem se lembram!
Nem quando a miséria lhe bate no casaco e pede uma moeda
Para amealhar no fundo roto do saco que nunca dá para tudo
E há sempre uma história de enriquecimento ilícito nos olhos dos
                                                                               Mendicantes
Que dão esmola aos mendigadores porque são profissionais
E como tal têm direito em Dezembro ao décimo terceiro mês.
Nem quando lhes puxo pelas mangas dos casacos de abafar
Conseguem olhar-me nos olhos com alguma modéstia
Ou descer do périplo da arrogância e da altivez…
Não sou suficientemente romântico nem cristão para a creditar
Que a riqueza condescenderá um dia e ajudará os desvalidos
Ou inventar paraísos de mesas fartas e céus azuis quanto bastem
Para que a morte lívida dos miseráveis seja menos penosa
Porque a morte dos miseráveis nunca é assim tão penosa
Porque qualquer que seja é sempre melhor que a frustração
De nunca saberem ao certo como será o dia de amanhã
Em que banco de jardim irão comer ou em que árvore dormirão
Preocupados com a precipitação e as baixas temperaturas
Como fanáticos doutorados em ciências atmosféricas!

Nem quando estendo a mão à espera da moeda que enriquecerá a
                                              Minha conta bancária
Consigo transmitir-lhes o mosto de alguma sensibilidade sensitiva
Ou mostrar-lhes a razão da cognição das vontades
Quando elas próprias deviam encrostar-se em mim e eu ser delas
Para que pudesse pedir-lhes uma estúpida moeda e fazê-los chorar
De tanta piedade por mim que a extrema-unção do natal
Fosse consumada nas toalhas enfeitadas da ceia de doces bacalhau
                                                      E peru!
Não quero o filho da puta do vosso peru na minha boca!
Não quero a merda da vossa moeda na minha mão!
Aliás, pensando bem, de vós não quero nada!
Quero apenas que me olhem na montra onde me plantei
Para vos poder julgar e sentir dentro de mim o auspício de
                                                                     Alguma autoridade
Que ainda não compreendi para que serve nem que faria com ela!

Mas no fundo continuo com pena dos pais que não sabem como sustentar
                                                                   Os filhos
Porque os patrões não pagaram os míseros centavos de uma troca
                                                                           Desigual
E se esqueceram de compor a mesa daqueles que compuseram as suas!
Isto é ridículo! Existem montanhas de lojas para assaltar…

Existe excessiva demasia de tudo quanto é demais…
Se é demais porque falta? Quem quer saber o que falta?
Ninguém quer saber o que falta!
Eu não quero saber da falta dos que no ano inteiro vivem de faltas
E pedem compulsivamente pelas ruas sem se lembrarem de que já
                                                              Estão ricos!
Preciso enriquecer a minha pobreza nas mesmas ruas
Onde outros pedintes enriqueceram as suas!

Está bem… Estamos na porra do natal! Pronto… É um dia!
Ainda bem… Já viram a merda que era termos essa foda o ano todo?
Quantos poemas de natal teria de escrever
Para vos convencer de que escrevo sobre o natal
Que sou mais nataleiro que os cristãos
E que me preocupo com os pedintes friorentos e esfomeados
Que só desejam algum familiar por companhia
Para poderem banquetear-se com a sobra da perna de peru!
Ainda bem que o natal tem de vida vinte e quatro horas!
O mundo devia ser obrigado a dormir mais de doze neste dia!
Dividam o natal em segundos! Embrulhem-no!
Metam-no na sacola do tipo de vermelho e barrete que nunca dá prendas
Porque nunca recebeu prenda nenhuma nem se crê que exista!

Porque nunca houve um rei que me trouxesse no natal
Um pote - ainda que pequenino – de ouro, pedrarias e mirra…?
Mirra não! Mirrar é diminuir! Acrescento! Eu quero Acrescento!
Tragam-me um pote de Acrescento!
Que lindo seria o meu natal com Acrescento…
Mas alguém se lembraria do fugitivo no burro e dum José qualquer
Carpinteiro nas horas vagas às fugas de um Herodes paranóico
Quando posso ir no meu carro à procura do poder que ninguém me dá
Ou do protagonismo que exijo para mim porque ninguém se interessa!
Lanço-me pela auto-estrada da consolação e badalo a toda a gente
Um natal feliz de paz e amor ou de amor e paz ou ambas as coisas
Quando sei que nenhuma delas me interessa
Nem a quem os meus votos se destinam, apenas para cumprir uma
                                                                    Obrigação!
Cumpro desta forma solene e feliz o meu natal!

Quero aqueles reis magos na minha algibeira…
Quero o condão dos sonhos das montras nas minhas veias…
Quero a sede dos ladrões…As pilhagens…
A gula dos invejosos… A revolta dos brinquedos
Postos sobre os camelos em viagem pelo deserto
E que depois do natal passado ainda não descobriram a minha casa…
Cumpra-se em mim a bossa desse camelo errante
Perdido ao longo dos anos no meu deserto incumprido!

Silêncio… ouço passos…
Já sei. É meia-noite.

Posso sentar-me num cadeirão e embebedar-me
Para amanhã contar como foi lindo o meu natal….


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Goreti Dias
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« Responder #1 em: Dezembro 17, 2013, 19:27:40 »

Permita-me destacar:
"o espalhafato de um comício em forma de poema
Onde possa vomitar as minhas penas sobre as vossas penas
Para assim se mostrarem solidários com aquilo de que nem se lembram!"
Lamento que já poucos conheçam a força de um poema. E lamento ainda mais que a solidariedade seja para a fotografia. Serve qualquer causa, desde que dê visibilidade. Raio de Mundo.
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Bom dia. Para todos um FigasAbraço
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Sejam bem vindos às escritas!
Agosto 14, 2023, 16:52:48
Boa tarde!
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Bom Ano! Obrigada pela companhia!
Dezembro 30, 2022, 19:42:00
Entrei para desejar um novo ano carregado de inflação de coisas boas para todos
Novembro 10, 2022, 20:31:07
Partilhar é bom! Partilhem leituras, comentários e amizades. Faz bem à alma.
Novembro 10, 2022, 20:30:23
E, se não for pedir muito, deixem um incentivo aos autores!
Novembro 10, 2022, 20:29:22
Boas leituras!
Novembro 10, 2022, 20:29:08
Boa noite!
Å¿etembro 05, 2022, 13:39:27
Brevemente, novidades por aqui!
Å¿etembro 05, 2022, 13:38:48
Boa tarde
Outubro 14, 2021, 00:43:39
Obrigado, Administração, por avisar!
Å¿etembro 14, 2021, 10:50:24
Bom dia. O site vai migrar para outra plataforma no dia 23 deste mês de setembro. Aconselha-se as pessoas a fazerem cópias de algum material que não tenham guardado em meios pessoais. Não está previsto perder-se nada, mas poderá acontecer. Obrigada.

Maio 10, 2021, 20:44:46
Boa noite feliz para todos
Maio 07, 2021, 15:30:47
Olá! Boas leituras e boas escritas!
Abril 12, 2021, 19:05:45
Boa noite a todos.
Abril 04, 2021, 17:43:19
Bom domingo para todos.
Março 29, 2021, 18:06:30
Boa semana para todos.
Março 27, 2021, 16:58:55
Boa tarde a todos.
Março 25, 2021, 20:24:17
Boia noite para todos.
Março 22, 2021, 20:50:10
Boa noite feliz para todos.
Março 17, 2021, 15:04:15
Boa tarde a todos.
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Olá para todos!
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Olá para todos!
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Boa feliz noite para todos.
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Bom fim de semana para todos
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Boa quinta para todos.
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Boa noite para todos.
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