Monólogo de uma sombra

[Inês]

MIDI
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Monólogo de uma sombra


Sombra fechada em espaço sem luz,
venho de outra era calor anelando
desde o escuro do cósmico segredo,
de cujo ontem trago a noite do medo
e em desespero endêmico do inferno
deslizei suplicando um antro ameno,
amargurada nômade dos ventos,
pairando acima dos mundanos tetos
leguei nojo à natureza humana
atrás da filosofia moderna.

Sou sombra acostumada aos infortúnios
de apodrecimentos em plenilúnios
nutrindo-me de combates sangrentos
e vacina contra os bons sentimentos,
tornei-me indesejável sanguessuga,
infeliz anatomia da ruga
que crucifica os santos do evangelho,
pariu-me dos demônios o mais velho
habitante inferior das masmorras,
assassino das mais áridas terras.

Cansei de ouvir monótonas corujas
explodindo entre as caveiras sujas
horrendas melodias do sarcasmo
que soterra as ânsias no nervosíssimo
como escrava da desgraça que sou
entre as chagas plebéias onde estou.
Mas agora que me cerca essa chama
o que será de mim sombra fantasma
perante a podridão que só me aclama
"sombra fechada em espaço sem luz"?


Inês Marucci

[carlossoares]

Inês,

escrever assim é um privilégio de quem tem um domínio extraordinário, não apenas das palavras, mas sobretudo da arte de, pela palavra escrita, criar ambientes, figuras, imagens, metáforas, deformações...Sensíveis e representativas de uma cultura. Há unidade e coerência no recurso ao elementos expressivos. Há um gosto polido pelo trabalho e pelo prazer da palavra, que se transmitem por contágio. Sendo a sombra uma das curiosidades tipo ilusões de óptica (derivadas da ausência ou menor incidência de luz, por esbarrar com um objecto) que se vêem mas que, na realidade, não existem, neste poema ela assume o simbolismo de sombra «em espaço sem luz».
Parabéns!
Beijo.