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Autor Tópico: Watchmen (parte 1)  (Lida 2157 vezes)
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NunoMiguelLopes
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Não vou gostar nada do dia de hoje, pois não?


« em: Março 17, 2009, 15:42:17 »

Mais do que simplesmente ter ido ao cinema ver “Watchmenâ€, a experiência muito pessoal que tive no sábado passado começou há uns quinze anos quando li a banda desenhada pela primeira vez numa edição da Abril brasileira. Conhecia o argumentista co-criador da BD através do seu trabalho com o Monstro do Pântano (Swamp Thing), também publicado pela Abril. Ninguém escrevia banda desenhada como Alan Moore e mesmo sendo apenas as figuras trágicas de Alec Holland e Abigail Arcane o meu contacto com o seu trabalho (esse e umas histórias esporádicas dele com o Batman e o Super-Homem), na minha cabecinha de fanboy tornara-se desde logo óbvio que o senhor era um caso à parte dos argumentistas de comics. Mesmo assim, caía no erro de o ver como argumentista. Moore não era argumentista. Era um escritor que, por uma incrível sorte dos fãs de banda desenhada (nem sempre bem agradecidos), escolhera o nosso meio preferido para explanar o seu talento superior.

Demasiadas pessoas são consideradas “geniais†para que o adjectivo retenha ainda o seu valor intrínseco. Alan Moore é dos que o merecem. Não se pode melhorar uma obra-prima de Alan Moore. A Física proíbe-o. É capaz até de ser de lei. O melhor que se pode esperar é que a respeitem e preservem quando chegar a inevitável altura de a adaptar ao cinema. Até agora, Moore tem tido azar com as adaptações do seu trabalho. Até agora, as coisas que vão aparecendo sem o seu aval têm sido, para ser meiguinho, risíveis e infelizes. Até agora.

“Watchmen†é o Santo Graal da banda desenhada. Escrito por Alan Moore e maravilhosamente ilustrada por Dave Gibbons, esta novela gráfica criou-se para mostrar a todos os descrentes, tanto de fora como de dentro, aquilo que o meio criativo da banda desenhada podia ser capaz de conseguir. É uma carta de amor ao classicismo da banda desenhada de super-heróis, a esse género tão tipicamente americano, aqui levado a sério e respeitado pelo que é. “Watchmen†tornou os super-heróis credíveis, mas também os obrigou a crescer. Colocou a fasquia lá em cima para os senhores (criadores) que se seguissem e eu tenho a esperança que este filme faça o mesmo para o que já se chama de super-hero movie.

Voltando ao livro, com “Watchmenâ€, Alan Moore furou o bloqueio a que os comics estavam votados pelos críticos literários dos chamados “livros a sérioâ€. Quando a mini-série de luxo (um formato pouco utilizado nos comics até então) saiu nos Estados Unidos na década de oitenta Moore foi levado em ombros numa digressão pela América, apareceu em talk-shows, levou um banho de reconhecimento artístico tal que jurou para nunca mais. Infelizmente, acabou vítima do seu sucesso estrondoso criando praticamente sozinho o mercado do comic-book paperback que hoje é a bóia de salvação da indústria de BD americana.

Mas o que é “Watchmen� A banda desenhada foi publicada nos Estados Unidos entre 1986 e 1987 em doze capítulos pela DC Comics. A DC é um dos dois gigantes dos comics americanos, sendo o outro a Marvel. Publica desde a década de trinta as histórias do Batman e do Super-Homem, entre muitas outras personagens mais ou menos reconhecíveis por todos. Ao longo dos anos, por gozar de uma posição tão proeminente na indústria da banda desenhada americana, a DC Comics adquiriu frequentemente catálogos inteiros de antigas editoras. Foi o que aconteceu em 1985 quando a DC comprou o catálogo de personagens da extinta Charlton Comics. Criações como The Question, Blue Beetle, Peacemaker e outras passaram a pertencer ao espólio da DC. Alan Moore pegou então nestas personagens clássicas e recriou-as a pedido dos editores.

“Watchmen†foi ostensivamente um produto da Guerra Fria. O mundo de “Watchmen†é como o nosso foi em 1985, com as excepções dos Estados Unidos terem emergido vitoriosos do Vietname, Nixon ter sido eleito para um terceiro mandato e os super-heróis serem reais. Aliás, a premissa era mesmo essa. Como seria se os super-heróis existissem realmente? “Watchmen†responde a essa pergunta na forma de uma tese complexa e estudada ao mais ínfimo detalhe psicológico. Qual seriam, por exemplo, os efeitos na politica mundial da existência de um super-homem, ainda por cima ao serviço dos americanos? Que alternativa restaria ao russos senão o armazenar de ogivas nucleares na esperança que os super-homens americanos não fossem capazes anular todas elas quando a altura de premir os botões vermelhos chegasse? E, numa dimensão mais anónima, o que aconteceria à nossa auto-estima se super-homens caminhassem entre nós, simples mortais? O que acontece quando o homem mais poderoso do mundo, o Presidente dos Estados Unidos, não passa disso mesmo, de um homem? E ainda outra, o que dizer da dicotomia responsabilidade versus oportunidade com a qual se debatiam os super-heróis elevados aos estatuto de estrelas de cinema pelo mundo ocidental. O que dizer da sua moralidade e egos?

Nesta realidade alternativa, mas muito igual à nossa, os super-heróis já existem desde a década de quarenta. Combatem pequenos criminosos ou, quanto muito, o crime organizado. Não tem super-poderes, muitos nem têm juízo ou estilo. Vestem-se em capas e calções ou fatos de sereia, são principalmente distracção de massas (muito como os comics sempre foram vistos na América, ao contrário da respeitabilidade que a arte sempre teve, por exemplo, na Europa). Estes vigilantes mascarados colaboram com a polícia, vendem tablóides, são ícones pop como Ziggy Stardust ou os Village People. Praticamente inofensivos. A vida real acabará por os apanhar quando passarem os seus quinze minutos de fama. Alguns morrem em acção, mais coração que cabeça, outros é a vida glamorosa que os vitimiza, há aqueles cuja loucura inerente os leva de vencidos. Poucos são os que sobrevivem ao evoluir das mentalidades, transformam-se de queridinhos e queridinhas do zé-povinho em palhaços fantasiados, figuras trágicas cuja utilidade política é reduzida.

Há uma excepção potencialmente perigosa neste grupo de super-heróis. Jon Osterman era um cientista que sofreu um acidente durante uma experiência (uma tradição nos super-heróis, que Alan Moore honra e explora como ninguém na novela gráfica dando-lhe profundidade temática e pessoal). Jon fora criado rodeado de relógios. O seu pai era relojoeiro e ensinou-o a montar e desmontar as mais intricadas peças. Quando é atomizado nesse acidente científico, anos mais tarde, Jon consegue graças a isso reconstituir-se, regressando à vida como o único verdadeiro super-ser à superfície da Terra. Um homem azul com controlo total sobre a matéria, o tempo e o espaço. Nascera o super-homem. Nascera o Dr. Manhattan.

Com o correr dos anos, Manhattan continua a evoluir para algo muito diferente do simples ser humano ou do simples vigilante mascarado. Ao mesmo tempo que a emoção começa a ser substituída pela mais frígida lógica, o homem azul vai desligando os sentimentos em benefício da profunda observação das coisas. Quando na década de setenta as coisas começam a correr mal para os americanos no sudoeste asiático, Nixon pede-lhe que intervenha em nome da nação. O que ele faz, mas sem grande investimento pessoal. O Vietname cai para o lado dos good old U.S. of A., os russos ficam nervosos e a escalada nuclear intensifica-se.

Em casa, os políticos americanos apercebem-se do erro tarde demais. Apesar do Dr. Manhattan, por ora, parecer domesticável, a Casa Branca acaba por proibir todas as acções de vigilantismo. Uma lei que criminaliza os heróis mascarados é passada no Congresso e todos eles se reformam compulsivamente. Ou nem todos. Alguns passam à alçada do governo, como Manhattan e o ultra-patriótico Comediante. Um outro prossegue as suas actividades de combate ao crime na clandestinidade. O seu nome é Rorschach. A maioria pendura as capas e as botas e faz-se à vidinha do nine-to-five tão bem quanto pode, como são os casos do Coruja Nocturna, da Espectro de Seda e do Ozymandias. É neste estado de coisas que a história de “Watchmen†verdadeiramente começa. Os Estados Unidos e a União Soviética balançam à beira do precipício nuclear e quando o Comediante é morto, Rorschach parece o único interessado em investigar o que na sua cabeça a preto e branco só pode ser uma conspiração para matar todos os antigos mascarados.

“Watchmenâ€, a banda desenhada, começa por ser uma história de detectives cujas implicações se estendem a todos os géneros pulp.  Na banda desenhada desenvolve-se e avança através de batidas de enredo que são alimentadas pela complexidade das suas personagens e das origens destas. “Watchmenâ€, o filme, é bastante fiel ao original. Mas porque a exposição psicanalítica de todo o elenco é um luxo que o estúdio simplesmente não podia suportar, o enredo acaba por deixar à mostra algumas das suas fraquezas. De qualquer forma, comparando este filme a qualquer outro blockbuster de suspenseacçãomistério dos últimos vinte anos, “Watchmen†satisfaz muito mais.

Estou a adiantar-me. Já contei o suficiente da história para que todo este texto possa ser marcado como spoiler. O enquadramento pareceu-me necessário, mas sendo um dos meus livros preferidos há tanto tempo e visto que nutro pela obra um afecto completamente geek, admito que possa já ter falado demais. Ainda mal falei do filme, por isso… To Be Continued...
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Goreti Dias
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« Responder #1 em: Março 17, 2009, 16:12:21 »

Bem-vindo a este lugar que tudo fará para o acolher de forma condigna. Parabéns pela excelente escrita!
Abraço
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Dionísio Dinis
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« Responder #2 em: Março 17, 2009, 19:09:07 »

Bem, eu que não sou fã da BD, desde já me declaro firme leitor, por via desta brilhante recensão.Parabéns e seja muito bem-vindo Mister Nuno Lopes.
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NunoMiguelLopes
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« Responder #3 em: Abril 19, 2009, 21:56:17 »

Obrigado, Dinis.

Tenho a certeza de que gostarias de ler "Watchmen". Infelizmente, a única versão em língua portuguesa até agora saiu pela editora "Abril" na década de oitenta e já não estará disponível. O filme seria mesmo a melhor opção.
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