breve ensaio ao livro

[antónio paiva]

ao longo da História,
milhões foram queimados,
pelo vil propósito de os calar.

domínio branco tingido pelo saber!
linhas de força;
da generosa e espiritual humana criação.

ah seiva fascinante!
de sabor destemido ante os poderosos,
que estremecem diante do poder da palavra nua.

não balbucia memórias; instiga-as!
em matéria pastosa e solidificada,
rasga o domínio do interdito,
na voz do poeta e escritor maldito.

e de júbilo terno te observo,
leio, venero e amo num clamor branco,
nas páginas esculpidas em sangue
pelo cinzel, na memória do poema onde respiro.

[Dete]

Veio-me á memória
           Fahrenheit 451 -
                  a temperatura
       a que um livro se inflama e consome...
                  (Ray Bradbury)

Gostei muito. Li com imenso prazer este poema.
Parabéns!
Njo
Dete
.

[Goreti Dias]

Mesmo os livros queimados, falam de forma clara e imperiosa!
Beijo

[antónio paiva]

...

Dete,

que os livros se inflamem pelo prazer da leitura e do saber, e não pelas chamas.

grato.

bjo.

...

caro Domingos da Mota,

haverão sempre uns e outros e ainda bem, porque uns e outros, é cada um de nós que deles faz esse entendimento, ainda bem também.

é com  muito agrado meu, que neste nosso pequeno país, cada vez mais surgem novas e confortáveis bibliotecas cheias de tudo.

a partilhar sempre.

grato.

abraço.

...

Goreti,

não há, não haverá nunca; fogueira suficientemente capaz de os calar.

grato.

beijo.

[carlossoares]

Caro António Paiva,

relendo o seu poema, que brilhantemente me conduz ao centro da «vexata quaestio» da perseguição por razões culturais, ideológicas e religiosas, atrevo-me a crer que seria melhor para todos que ninguém queimasse livros e muito menos pessoas inofensivas. Acumulam-se provas de que as paixões justiceiras, radicais e fundamentalistas são o verdadeiro terror, não apenas armado, mas também, cultural. Toldam-se os espíritos melindrados por questões de princípio. Não se pode responsabilizar um livro. Pode-se responsabilizar um autor. De resto, não tenho uma visão romântica, nem do livro, nem do escritor. Há autores e livros que valem o seu peso em ouro e que ficam nas prateleiras. Outros, são um prejuízo e têm quem os leia. Que nenhuns sejam queimados, mas que não se erijam censuras à crítica. Que ninguém se sinta constrangido a emitir juízos sobre os livros. Que se possa falar tão livremente, tão desbragadamente, contra como a favor dos livros. Que se possa falar tão livremente, tão desbragadamente contra as religiões como contra aqueles que as combatem e denegram. Que o querer a liberdade de ser contra implique a necessidade de estar sujeito a ser contestado. Mas com regras, como na guerra.
Como em tudo na vida, as artes e as artimanhas medram no mercado livreiro. Os expedientes e os golpes de vista também fazem parte do jogo. As relações de poder e as correias de transmissão não são inocentes na organização dos espelhos. A imoralidade e a fraude também grassam no "concurso" à bestesellerice.
Sempre haverá alguém com um olho em terra de cegos. As culturas tenderão a desenvolver imunidades, anti-corpos, defesas, contra tudo o que é anomalia e excrescência, mas há um bem precioso que é imprescindível aos bons e aos maus livros e que é a liberdade. Sabendo nós, porém, que a liberdade, toda a liberdade, tem um preço de liberdade.
Em todos os tempos, em todos os lugares, em todas as culturas, há os que têm liberdade para queimar livros e pessoas, que são os mesmos que têm o direito de não ser queimados por aqueles que eles queimam.
Mas não nos resignemos. Queimar livros é o que há de mais destrutivo e auto-destrutivo.

Um abraço.

[antónio paiva]

...

estimado Carlos Soares,

não tivesse eu outro motivo de satisfação, em ter escrito este poema, que felizmente tenho.

encontraria neste seu breve, lúcido, generoso e genial ensaio, todo o conforto de que uma alma que escreve carece.

bem-haja.

abraço.