marcopintoc
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« em: Outubro 02, 2008, 22:16:55 » |
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Senta-te e sê bem-vindo de novo. Já não há mais avisos. Fica aqui, nas histórias do motel. Escolhe uma música, a mais apropriada é o “rap†. Não gostas ? Eu também não , mas é o som que se deve a este relato. Começa a ver os aglomerados de habitação social que rodeiam a cidade. Vê os “tagsâ€, os átrios urinados, sente a tensão no ar , correntes de ouro falso e t-shirts da NBA , olhos fixos em quem passa, bairro. Pinturas gastas e “Graffitiâ€. Olha para rés-do-chão, número sessenta e quatro , a janela aberta revela-te um negro , jovem ,enorme , o corpo é trabalhado em ginásio de pugilista , as coisas do bairro já o obrigaram a usar os punhos. Sempre ganhou. O nome é Samuel, quarto filho vivo de seis , nunca estudou muito , era tudo difÃcil ; deve ter sido dos sacos de cola “snifados†no fim da infância. Não gostou dos empregos que teve. O telefone toca. Uma mão feminina algures percorre os classificados do “24 horas†. Deteve-se na promessa, o anuncio diz:†Negro enorme, vigoroso e higiénico, Atende exclusivamente em motelâ€. Nove dÃgitos no dedo, sessenta e dois segundos de voz, cem euros e até já: – Motel , quarto 11. Veste-se, verifica a higiene pessoal, acessórios de látex, lubrificantes para gostos mais estranhos e parte: Diz um “Até logo†que somente é correspondido, em sorriso de criança, pelo irmão mais novo. A mãe e mais duas irmãs não descolam o olhar do televisor. Há, na irmã Rita, resÃduos de uma cachimbada que semicerram as pálpebras e rasgam em filamentos de sangue o globo ocular. Mas agora Samuel tem que ir trabalhar, não há tempo de repreender a irmã. Entra no carro e desliza pela via rápida até à sua cliente. Mais uma. Uma das suas “bitchesâ€. A palavra tem passado por entre amigas confidentes e dispostas a pagar cem euros por um firme e avantajado pedaço de carne. Samuel nasceu pobre. Deus encheu-o de cola, fome, maconha, uma vida de merda, , a cor errada para ter sucesso , cresceu a levar bofetadas de bófias que snifam coca antes de patrulharem o bairro para poderem suportar o medo; mas como tudo não pode ser mau Ele foi generoso , deu-lhe um corpo belo e acima de tudo , oferendou-lhe um enorme , de extrema firmeza e quase mÃtica resistência , voluptuoso membro. Uma das suas clientes dissera, quando entrava pela primeira vez dentro dela: - Isto é um sonho. E do seu membro tirava o seu pão. Sempre cumprindo, em grossas gotas de suor e cavalgadas loucas da pélvis, aquilo para que fora comprado. Começara há cinco anos, com dezanove, anúncios nos jornais diários, telemóvel sempre ligado . Sempre lavado, sempre sorridente, sempre activo , carinhoso ou algo mais rude conforme o pedido da cliente. O telefone toca três a quatro vezes por dia. Em dias mais movimentados é obrigado a usar um misto ligeiro de cocaÃna e comprimido azul para manter o profissionalismo. Chega ao motel, cumprimenta a recepcionista romena que já o conhece e até o olha nos olhos. Sobe ao quarto onze e espera. A cliente de hoje é uma repetente. Tem cerca de cinquenta e cinco anos , usa austeros óculos de massa que emolduram um olhar de azul sem vida , vê-se pela indumentária que é alguém com dinheiro e de tom conservador . Samuel acha-a fria e mecânica. Chega, diz boa tarde e manda-o despir, observao enquanto fuma um cigarro , depois remove a sua indumentária, põem-se de gatas e diz: - Agora faça. Da primeira vez que o alugara esclarecera: - Não fale , não olhe para mim e não tente mudar de posição , não quero ver a sua cara nem sentir o seu cheiro. Ele cumpriu acreditando que o ser possesso que se debatia em seu redor não podia ser a mesma pessoa. Recordou as histórias da Avó que contavam como lá, em Ãfrica , os demónios entravam no corpo das gentes. Esse ligeiro receio fez com que se retardasse, esse facto agradou bastante à cliente. Recebeu vinte euros de gorjeta. Hoje demora vinte e cinco minutos, mil duzentas e cinquenta estocadas a efectuar o trabalho. A cena repete-se; a penetração desperta uma louca frenética, de voz gutural, que profere as maiores obscenidades do mundo enquanto chama por um tal de Eduardo. Pelo tom na voz Samuel pensa que esse tal Eduardo deve estar morto. Regressa no seu carro agora, abandonou o motel. DeverÃamos terminar aqui o nosso relato mas abrimos uma excepção e acompanhamos Samuel a casa. Ao som da batida dos “Da Weasel†vai Samuel e os seus pensamentos. Parece triste , se calhar recorda os irmãos mortos , uma fraqueza no coração e uma seringa , se calhar recorda o pai, detido de alta segurança , vinte anos , três balas no peito de um gasolineiro. No bairro chama-se a isto drama. Ou se calhar a tristeza deve-se a saber que esteve dentro de uma coisa má. Eleva o som e prime o acelerador com mais intensidade.
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