Não me nacionalizem

[Figas de Saint Pierre de]

Não me nacionalizem

Sou uma entidade privada,
Um ser natural,
Tenho tudo o que Deus me deu,
Nada mais acrescentei.

Um dia, já morto,
Haverá herdeiros para meus dinheiros,
Mas, quanto ao meu corpo,
Calma.
Quero-o inteiro, com minha alma.

Eu fui criado a crer na Ressurreição,
Mas, agora,
Com a nova lei,
Um homem, por distracção,
Por nada ter dito,
Pode ressuscitar sem coração!
Como pode, sem coração, viver no infinito?

O amor,
A amizade e a solidariedade
São sentimentos nobres,
Livremente manifestados,
Não por lei arrancados.

Quem pede é um pedinte,
Se não, se roubar,
É um ladrão!
É o que será,
Todo aquele que tire um coração sem permissão.

Coitado do povo,
30% de analfabetismo!

Em nome do sofrimento,
Arrancam,
Usam órgãos sem seu consentimento!
Que filosofia tão bizarra!

É inaceitável.
Pura pirataria.
Só a cada um cabe decidir,
Por sua livre vontade,
O que com outros repartir
Ou fazer caridade.

Por que é que um homem não
Pode levar, após sua morte, todos
Os órgãos que lhe couberem em sorte?

Prevejo cenas caricatas:
De rerente eis um morto no hospital;
Consulta-se o ficheiro nacional,
Ai nada consta?!
Então, okey,
Zás,  para este um coração,
Um rim para aquele,
Um fígado para a quele outro
E que se lixe o morto!

Depois, qualquer famoso cirurgião,
Noutro corpo vivo fará operação,
Talvez até dê na televisão,
Qual herói nacional no telejornal!
Mas o nome do “dador”  é ignorado
E já de metade de si despojado!

E caso haja humano engano?
E se o morto não queria dar órgãos?

Sim.
Talvez não quisesse e até tivesse o impresso prenchido,
Mas entretanto desaparecido!

Em caso de engano
Quem entra pelo cano?
Devolvem o material usado ao corpo já passado?

Claro que ahverá o não inédito inquérito!

Por mim,
Fica desde já,
Todo o mundo avisado,
Que, por agora,
 Em vida,
Não tomei qualquer decisão em dar ou receber órgãos!
Depois de morto é só perguntar-me.
Talvez  responda que meu corpo não é o da Joana, ou quê!?

Se eu nada disser,
Enterrem-me como estiver.
Obrigado
............xxxxxxxxxxxx...................
Autor: Silvino Taveira Machado Figueiredo
(figas de saint pierre de lá-buraque)
Nota: Publicado no JN, 03/Janeiro/1995

[Goreti Dias]

Se o morto não queria dar orgãos, não os merecia ter tido em vida. De que nos servem orgãos de que já não precisamos porque estamos mortos? Talvez, se não for bastante a solidariedade, a vaidade de nos sabermos espalhados por outros corpos vivos e com existência prolongada possa ajudar a convencer-nos de que a doação de orgãos é um acto meritório.

[Figas de Saint Pierre de]

Por que não vender ou dar a alma ao Diabo? Segundo dizem,  paga bem!
Comigo não tem sorte. Não vendo minha alma nem meu corpo.
Realmente, sou egoísta. Já me basta ter uma prótese de plástico na anca!
Vou ter que ouvir quando S, Pedro exclamar:
-"É pá, como tu vens! Não foi assim que tu foste!
Além, doutras cenas, descritas no meu "conteco" "Quem do alheio veste na praça o despe", que relata a cena da quzélia quezília juridica du copro ressuscitado, mas sem coração, mas que o viu nourto corpo.
A questão que se ponha, e que Deus não tinha previstas, era de saber a quem atribuir as boas acções que aquele bom coração tinha feito: se ao corpo onde agora morava ou ao courdo donde roubado. Deus, não tinha previsto tal situação e mandaou parar o processo da ressurreição, para rever os manuais. É que alé de corações, o mesmo se passava com rins, figados. Qualquer dia transplantam pénis. Livra. Depois de morto, ver o meu andar por aí em cenas pecaminosas. E depois? Era eu o culpado? Não. O melhor é prevenir. Nada do do é meu é dos outros. Só se for em sistema de leasing.
Cumprimentos do Figas (um teólogo preventivo)

[Abgalvão]

Hehehehehe gostei da forma como brincou com uma situação que é muito séria.
Ora...quem quiser órgãos que vá ao mercado e os compre!
Agora que é tão comum falar-se em "opas", (nem sei bem o que é isto), aos bancos às cimenteiras, etc., pode ser que algum magnata faça uma aos seus orgãos que ainda não estão nacionalizados...desde que renda...
Desculpe a brincadeira
Cumprimentos

[Lucrécia Bórgia]

O transplante de orgão tão singular como o pénis só vale a pena se ele estiver funcional. De que vale um já velho e enrugado? Mais vale um tudo plástico tipo canalização! A doar doe-se apenas o que estiver em bom estado.

[josé antonio]

Da muita legislação incumprida que existe neste país, oxalá que a relativa à doação universal e obrigatória de orgãos, se mantenha e seja estritamente cumprida, contra tudo e contra todos.  De que serve sermos enterrados com orgãos que poderiam ter ficado a funcionar dentro de quem cá fica a viver? Para ficarmos mais pesados dentro da urna e obrigar a maior esforço a quem nos carrega? Complicar a tarefa dos bichinhos que debaixo da terra, dizem, serem obrigados a nos fazer desaparecer?
Ao consumo de mais combustível e libertação de mais CO2 para a atmosfera quando cremados?
Pela parte que me toca, ficarei ultra radiante, quando lá por cima, me apresentarem a listagem dos utilizadores do que eventualmente de mim tenham aproveitado - depois de ter morrido! - a funcionar e dentro da validade para consumo. Rssss...
José António

[Figas de Saint Pierre de]

Pronto. Tá bem. Já me convenceram!
Quando for ao barbeiro vou dar cabelo aos carecas!
Já é alguma coisa.
Também posso dar a caspa, é só pedir!
Se alguém precisar, também posso doar as unhas!
Depois, quando eu for para o céu, lá do alto verei alguém a coçar-se com a sarna que o Figas lhe deu!
Agora a sério:
Eu, quando digo que não dou nada, é porque tenho a consciência de que o Figas está em muito mau estado! Nem do corpo nem do juízo nada se aproveita!
Um Figasabraço.