Araci
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Ainda não sei o que sou, mas sei quem eu sou
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« em: Junho 13, 2010, 13:30:06 » |
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A data mais antiga da casa da minha avó que eu posso encontrar, é a de 1893 no portão da adega. Quando os meus avós se mudaram para Baiões, no meio do século XX, ela já tinha então algum tempo. É uma casa de pedra, bem fria, e que viu passar muita vida dentro dela. Actualmente só lá moram os meus avós. No interior, mesmo ao lado da cozinha existe um local completamente negro, onde se costuma reunir a famÃlia nos dias mais rigorosos de Inverno em volta de uma fogueira.
Naquela tarde de Domingo sentamo-nos as três no banco de madeira que se encontra por lá e falamos de histórias, da vida, e suspiramos enquanto a minha avó ia mexendo nas poucas brasas que se encontravam no chão.
A história da minha avó é igual à de muitas mulheres de sua época: Anos 60,interior de Portugal, esquecido, atrasado. Enquanto o mundo neste tempo passava por uma reviravolta enorme, por cá, tudo se mantinha igual. Ela apenas completou a segunda classe, e pouco depois começou logo a trabalhar, casou-se aos vinte anos, teve sete filhos, 4 raparigas e 3 rapazes, e sempre trabalhou intensamente as terras da quinta “para o bem comum da casa.†A minha mãe foi um pouco mais longe, conseguiu fazer o sexto ano, e mais não fez, porque para muito pesar dela, aos 12 anos teve logo que trabalhar para poder ajudar a esse mesmo bem comum. Mas eu não sou ninguém para estar a resumir a vida dessas duas magnificas mulheres em meia dúzia de linhas, apenas sei que quando as olho, sinto um desfasamento enorme entre a minha vida e a delas.
Estamos em 2010, tenho 19 anos. Completei o 12º ano e frequento o ensino superior, durante a minha adolescência tive várias actividades extra curriculares: fiz parte de clubes de xadrez, aprendi música, fiz um intercâmbio escolar em Inglaterra... A vida já me deu coisas que, recuando uns anos, nunca ninguém imaginaria que uma rapariga pudesse algum dia conquistar numa idade tão jovem. Obviamente que não está nos meus planos imediatos ter filhos ou casar-me, as minhas ambições prendem se agora com a minha carreira profissional, e isso é algo que vejo numa hipótese bastante longÃnqua.
Pensando agora em outras grandes mulheres, creio que se Adelaide Cabete pudesse por momentos poder passar um dia em 2010,ficava simultaneamente contente e desiludida. A mulher conquistou actualmente, um patamar que há muito tempo desejava. Parece algo já dado, mas aquilo que hoje temos como garantido, como o direito ao voto, foi algo pelo qual varias mulheres tiveram de lutar bastante para poder alcançar.
Actualmente, temos ajudas médicas que nos auxiliam bastante, e mais recentemente no nosso paÃs, a mulher pode interromper a gravidez, até à s 10 semanas, por sua opção. Hoje somos muito mais livres, estudamos mais, somos muito mais independentes, apostamos nas nossas carreiras. Este seria o lado pelo qual Adelaide Cabete ficaria contente, mas a moeda tem sempre duas faces. Como mulheres que somos, há caracterÃsticas incontornáveis que nos são bastante femininas. A vaidade que sempre esteve inerente ao sexo feminino, criou novos extremos e com ela novas doenças. Principalmente nos meios urbanos, onde uma maior influencia dos média e da sociedade envolve o ser humano, doenças como, anorexia, bulimia apareceram num novo cenário.
Onde anda a portuguesinha pequena e roliça tão bonita que nos caracterizava? Onde anda a alma da mulher portuguesa alegre mas melancólica? Onde existe aquela força que nos fazia suportar tanta coisa? É verdade sim, que hoje vivemos num tempo pleno de direitos, mas parece que esquecemos os deveres, e isso, deixou nos mais muito mais fracas, e muitas vezes, já sem argumentos. Depois vemos meninas, nos seus 12 anos a sair cheias de álcool pela madrugada de discotecas ou de bares. Vemos raparigas dos seus 17 totalmente desprovidas de espÃrito critico, completamente desenraizadas de qualquer tradição, totalmente alheadas da nossa cultura… Queremos tanto igualdade que tocamos num extremo, e perdemos o sentido. O que há mais para conquistar? Porque estamos a confundir liberdade com libertinagem? Não só Adelaide Cabete ficaria desiludida com tudo isto, eu mesmo o fico.
Em relação à minha famÃlia, a minha avó, e a minha mãe, não tiveram acesso à cultura, à s artes, à s letras e à música como eu tive, e como muitas outras da minha idade têm, mas certamente foram muito mais valentes e fortes do que eu alguma vez possa imaginar. E entristece-me profundamente, como jovens da minha idade as possam desvalorizar tanto.
Naquela tarde de fria de domingo, 3 gerações ali se encontravam, e eu, a mais nova, cada vez que olhava para essas duas belas mulheres, davas lhe um enorme sorriso e elas completavam me com as suas palavras sábias. É uma riqueza enorme ouvir o que elas têm para me contar, bem como o é tudo aquilo que gerações de mulheres batalharam para hoje podermos gozar de muitas regalias a que, infelizmente, não damos o devido valor...
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