antónio paiva
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« em: Agosto 28, 2008, 21:49:46 » |
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Ser noite e dormir encostado nas colinas, embalado pelo som de marés antigas. Se de nimbo me vestir, serei chuva ligeira, e não auréola divina. Mar grave e erguido, de trágica rouquidão na voz, ignoto e de baixa condição. A calar cismados lamentos. Os que amo estão dispersos, alguns não me ouvem, é denso o nevoeiro que nos separa. Mas quero que saibam; são o meu princÃpio meio e fim. Não sonho Virgens impossÃveis, sou do mais terreno que há. Nem tão-pouco me rendo a sacerdotisas de Baco, que se entregam a lúbricas ceias. Apetecem-me tardes repousadas e sem rumores, sob um céu azul e cristalino. À beira de um sol loiro quase outonal onde eu possa repousar o meu olhar ascético. Os meus lábios movem-se, mas a intenção é nada dizer, apenas sentir. O meu existir é urdido de mil e uma venturas, e se por vezes a minha alma se desgarra em noites, há amanheceres que acorda em desvelo amoroso. Sabem; gosto de histórias bem temperadas, como-as todas até ao fim. O melhor delas são as febrinhas junto ao osso do espinhaço. Ainda me surpreendem as marés do acaso, navego-as sem medo, delas me sirvo como génese do pensamento. É-me fundamental que a realidade não seja coberta de musgo. E, se há quem afirme que a verdadeira realidade, é a verdade do sonho. Então musgo nos sonhos nem pensar. Segundo reza a lenda; os pobres surgiram na terra para nos dar conta da sua fome. Não fora a sua pobreza, seria inútil, em absoluto, a caridade dos outros. Por isso se tornou imperativo cultivar a pobreza, quer na fome, quer no saber. Olhem o menino com orelhas de burro à janela da sala de aula. Vá riam-se! Riam-se sem saber que o menino tem o estômago a dar horas. Em casa sabem menos ainda; e dizem-lhe que essa coisa de livros não enche barriga. Ah! Quem lhes levasse o cérebro à palmatória.
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