Anne Marie
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GRITOS MUDOS
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« em: Novembro 12, 2008, 00:56:02 » |
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Desde desse dia fatÃdico, ninguém abria a boca para falar quando António chegava a casa. O medo era aterrador enfiava-se pelas frestas do soalho podre daquela casa. Não se viva ali, vegetava-se em gritos mudos.
Aproximava-se o dia da mudança era preciso arrumar os tarecos velhos. A pobre Maria não sabia o que fazer à sua vida cada vez temia mais a tirania do António mas tinha a percepção que seus filhos estavam a crescer e não podia impedi-los de mostrarem as suas revoltas.
Maria não tinha como fugir daquele pesadelo a sociedade não lhe permitiria, as mulheres não tinham qualquer tipo de liberdade. Esta mulher sentia-se aprisionada tanto psicologicamente como financeiramente. O divórcio era um tabu e quem o praticava ficava rotulada como infiel.
Passados quinze dias a carrinha esperava-os, já carregada com os trapos velhos para uma ida que não tinha mais volta. A viagem parecia não ter fim as lágrimas iam marcando a terra batida da velha estrada que absorvia cada gota com saudades. Enfim começam a surgir as casas em blocos de cimento aglomerados por ordem alfabética.
- Chegamos, toca a descarregar tudo e rápido a casa é no 1º direito nesta entrada, eu vou indo para vos abrir a porta. Argumentou António com a sua voz poderosa.
Mariana quando entrou naquela casa ficou deslumbrada, como era grande, sentiu cada pedacinho, conseguia ver o seu rosto naquele chão de tacos tão brilhantes. Quando entrou na casa de banho olhou para a banheira pensando que estava a sonhar. Mas faltava-lhe qualquer coisa.
- Paizinho neste sÃtio não existe campos como na outra casa?
- Campos? De quê de futebol ou de cebolas?
- Não paizinho daqueles, sabe onde nascem as espigas.
- Não, não tem, porquê? Querias tirar um curso de lavoura? Não te aflijas! Tens muito espaço aqui dentro de casa para brincares a rua é para os vadios.
Mariana não pestanejou apenas respondeu. - Obrigada paizinho.
Iam-se arrumando as coisas da melhor maneira, ninguém se prenunciava. A noite aprisionava-se, o quarto das quatro irmãs mantinha-se vazio, apenas existia uma trouxa de roupa embrulhada num lençol remendado. Não tinham uma cama para poderem descansar. O que as esperava era um chão novo para dormirem. Vitória chamou sua mãe e diz-lhe. - Mãezinha precisamos de uns cobertores para nos aconchegar no chão. - Maria arranja dois cobertores para as meninas mais velhas, a Eduarda e a Mariana dormem no sofá cama na sala. Estou á espera de umas camas que pedi por caridade aos irmãos de “S.Vicente de Paulo†e acreditam que são um luxo. Ah, já me estava a esquecer…ides ter também um guarda-fatos e uma cómoda e são o último grito da moda.
António continuava a ser um homem cruel, a casa nova não o mudara em nada. Cada vez se tornava mais intolerável, monstruoso (um pobre coitado). Os meses iam passando, os dias tornavam-se fastidiosos. António adoece, recorre ao hospital é-lhe diagnosticado duas úlceras no estômago em último grau. Já alguns dias que perdia sangue pela boca. Achava-se muito forte nada o derrubava mas desta vez fora obrigado a ficar retido em casa com baixa médica. Tinha-lhe sido prescrito dieta total e a respectiva medicação para evitar uma cirurgia ou até mesmo algo mais gravoso. Maria entrara em aflição, tratava-o como um rei prestando-lhe toda a vassalagem, mas António não obedecia a nada nem a ninguém. Fazia questão de comprar todos os medicamentos mas no entanto nunca tomara nenhum, dava-lhe prazer coleccionar caixas intocáveis de medicamentos para mostrar que era uma pessoa com muitas doenças…seria ele o manipulador da sua própria doença?
A situação tornava-se complicada, o dinheiro não chegava para cobrir todas as despesas de casa. Maria começa a trabalhar “aos dias†em casas particulares a fazer serviços domésticos.
António chama Alice que estava prestes a terminar o 6º ano do ensino básico e diz-lhe. - Menina prepara-te, (vai acabar a mama) a brincadeira, já falei com o meu patrão trata de completares o ano e livra-te de reprovares. O trabalho espera-te lá na minha fábrica, agora é que tu vais dar valor á vida.
- Não se preocupe pai, não irei reprovar sempre levei os estudos muito a sério. Estou aqui para trabalhar.
- Acho muito bem, alias nem sei para quê que as mulheres têm que ter estudos, é só para dar despesas. Quanto mais estudam mais burras ficam.
Alice apenas pediu permissão para se retirar e não respondeu mais nada. Dirigiu-se para o quarto e desatou a chorar. Estava quase a completar os seus catorze anos, tinha-se atrasado nos estudos devido à varicela que a surpreendeu na terceira classe na época dos exames. Não compreendia como sua mãe continuava casada com um homem asqueroso como aquele, por mais explicações que ela lhe desse. Assim como Vitória, Alice também o odiava a magoa era de uma brutalidade que já mal conseguiam olhar para a cara dele, mas ao mesmo tempo o pânico aterrorizava-as.
Continua…
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