Sala de Arrumos

[Bruno Sousa Villar]

Uma bicicleta vermelha,
que te levou pela infância
a todos os lugares, agora
adquiriu uma cor fungível

o pião que soltaste em tantas
e tantas brincadeiras no recreio
da escola.

O giz amarelo roubado quando
a professora não estava a olhar.

um caderno pautado onde
aprendeste a ler e escrever entre linhas
- ler entre as linhas viria anos depois

O nariz escarlate de um palhaço
para ti tão atormentante
que metia medo ao susto

a coleira do teu primeiro gato,
a tua primeira carta de amor
e por conseguinte o primeiro
desgosto -

O primeiro poema escrito-
risível como
todos os antigos e primeiros.
O primeiro livro que te
desassossegou o espírito,
a primeira pedra curiosa que te abriu
a cabeça , a fisga que deu início à primeira
sova- ainda não se debatia o bullying.

fotos na praia sépia de quando a mãe
era viva - o primeiro comboio de brinquedo,
o teu diploma de faculdade

Coisas, coisas e mais coisas que a má memória
faz por deslembrar, assombrada por um passado
não tão arrumado quanto se pensa.

[Karla Bardanza]

Creio que a única coisa da qual não conseguimos fugir e nem adiar é o passado. Adorei o "deslembrar"!Lembrou-me um poeta brasileiro que amo!

[Bruno Sousa Villar]

Que poeta, cara Karla?

Há dias alguém me confidenciou que a minha ironia comove. Gostava de acreditar nisso.

Agradeço imenso sua leitura.

Beijo

[Vera Silva]

Um poema feito de memórias e que o poeta soube colocar bem. E o tal "deslembrar" que todos gostaríamos de fazer com más recordações, mas o passado nunca está tão arrumado como pensamos, por vezes basta algo no presente para nos lembrar que afinal não esquecemos (confusa, eu...)!
Quanto ao que li nos comentários, de facto, uma das coisas que me faz gostar muito do que escreves é precisamente a ironia, sempre bem metida.

Beijo

[Luis F]

Uma sala bem arrumada, originando um bom poema

Gostei de ler

Saudações poéticas
Luis

[Goreti Dias]

Uma sala que não passa da nossa memória onde tudo guardamos do passado, mesmo a inutilidade de um nariz de palhaço.
Gostei das entrelinhas do poema também.