Djabal
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« em: Janeiro 22, 2009, 10:41:01 » |
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a) Manual de instruções; b) Quadros de uma exposição; c) Sobreviventes; d) Banho Matinal. e) Nenhuma das anteriores. Apenas só.
So let us melt, and make no noise, No tear-floods, nor sigh tempests move; ‘Twere profanation of our joys To tell the laity our love. (5-8) John Donne (“Valediction Forbidding Mourningâ€)
A música é outra forma de amor. Senti que ela foi se despedaçando ao longo do tempo. Antes ela queria contar uma história. Com começo, meio e fim, nessa ordem. Depois a ordem mudou. Hoje, não. Não existe ordem. Os músicos compreenderam que ela é arbitrária. Pois, então, cantam apenas os nacos de vida encontrados. As palavras formam também conjuntos de sons. Cada um tem a sua música também. A história dessas narrativas é a mesma da descrição de um banho. Um banho de imersão. Um grande prazer. Desde o despir, imergir, descansar, o emergir cada parte do corpo, a bucha, a espuma. Cada movimento desperta em minha memória as pessoas que conheci. Imagine, portanto, que eu os coloque como sentença no inÃcio de cada parágrafo dessa história. Perceba como essa ordem seria mais coerente apenas com a realidade da minha mente. Essas são algumas nesgas. As minhas lascas.
Eu não me surpreenderia se vocês pensassem que estão diante de uma vaca ubérrima prestes a ordenhá-la. Esperam encontrar leite. De fato, nas primeiras puxadas, o leite sai gordo, cheiroso e quente. Depois, chá. Depois água. Mais além, o ciclo do álcool. Surpresa. A nossa mente trabalha rapidamente para encontrar a razão entre os termos da série. Ótimo, agora estamos serenos. Insistimos. Vamos espremer. E daquele úbere saltam pequenos dados. As mãos percebem, os olhos são forçados a acreditar. Dados. Menores. De cor intensa, brilhante e variada. Cheios de vida. Eles brincam conosco.
Um português, de cabelo curto e duro, um nariz grosso e marcado, um corpo miúdo e vergado, num ângulo de quase quarenta e cinco graus. Modos rudes, olhar penetrante e feroz. Parecia ter um objetivo fixo e estava determinado a atingi-lo, sem importar em quais condições. Tudo estava determinado em seu plano. Nada poderia sair do seu lugar. Ainda que demorasse muito, ele sabia se livrar da faina com a tarefa cumprida. Temperamento irascÃvel. Uma voz sonora e gutural, forte como ele. A sua conversa era algo que se arrancava de lá de dentro, algo dolorido e difÃcil de exprimir. As palavras jamais encontravam o correspondente ideal para se expressar. Contou-me, que havia caÃdo de um avião entre a Ãfrica do Sul e Moçambique. Tinha negócios por lá. Foi o seu maior desabafo, algo aparentemente sobrenatural acontecera. Ele era o próprio milagre. Nada mais poderia impressioná-lo. Já vira tudo e de muito perto.
Um americano, loiro e musculoso, filho de emigrantes russos, parecido com um rei viking. Pai médico e solidário. Fala pouco da sua mãe, mencionou que se divorciaram. Carrega uma decepção, uma regra, régua de trégua ao falar. Uma encarnação da revolução americana perambulando pelo sul da sua América. Por aqui, escolheu para descansar seu corpo, no EspÃrito Santo. Chegou num Corpo de Paz, sem falar uma palavra em português. Desembarcou no Rio de Janeiro. Deu por si, num imenso canavial – Conceição da Barra. Pegou carona num carro de boi. Pensava encontrar algum lugar para comer. Chegou a uma pequena vila sonolenta, na praça se destacava um grupo de homens, conversando. Imaginando conseguir algo, dirigiu-se pra lá. De repente, uma correria geral; do mato apareceu um pequeno batalhão com facões largos nas mãos em clara ameaça aos presentes, e ele estava incluÃdo entre os ameaçados. Correu, correu, sem saber o que estava fazendo. Encontrou uma Igreja, quase arrancou a porta, para entrar. Nada. Entrou por uma lateral, até encontrar um homem gordo, calvo e de ceroulas que o acolheu, deu-lhe um lugar para dormir. Saiu de lá no dia seguinte. Caminhou pelas praias, até encontrar a sua. Encontrou mais a sua mulher, filha de pescador. As pessoas por aqui não têm poder. A vida é uma aventura lotada de perdões. Para tudo e pra todos. Adora esses nomes: Cafubira. Pereba. Furunco. Usa como apelido para todo estranho. Filho do sol e da pinga natal. Sabe da caninha, mais do que o mais natural da terra. Sua mulher tem orgulho em dizer, fala inglês sem sotaque. Seu sonho secreto é tornar esse lugar igual ao que deixou lá trás.
Um urologista de grande envergadura e peso. Com um metro e noventa e oito. Cabelos pretos, ondulados, rosto sereno de sorriso abundante. Saiu do hospital, onde passou os últimos seis meses. Trata de um câncer na sua próstata. Fez a prostatectomia radical. Gosta de fazer palavras cruzadas e ouvir jazz. Toca sax tenor. Ouvia-o dizer “Vou bater de frente no muroâ€. Não sabia quando. Lutará com todas as suas forças para adiar esse momento. Gosta de comparar a vida com o jazz. Uma música insubordinada a sua beleza depende da improvisação. Ah. Essas variações livres. Considera a sua doença como uma dessas variações. No mais vivemos todos numa prisão. O corpo é uma delas. Sempre aconselhou seus clientes a fazer a cirurgia. Para aqueles que temiam a impotência, garantia que ela não ocorreria. A ejaculação seca? Isso não é problema. O prazer é o mesmo, e é essa morte súbita e a ressurreição que nos interessa. Não a outra. As imagens que usava eram gentilmente brutais. Ouvi-o dizer ao cliente: “Você usa óculos, por quê? Ah, porque não vê. Pois então, pelo mesmo princÃpio use Viagraâ€. Ainda assim, vários amigos preferiram enfrentar o câncer, sem cirurgia, sem mutilação mental. Tratamentos alternativos. Morte certa e mais rápida, porém com potência e vigor. Descendente de poloneses. Filho único. Órfão de mãe há pouco. Foi casado seis vezes. Quatro filhos de mães diferentes. Relações conturbadas com todas elas exceto uma. Hoje está casado com uma potiguar e vive uma fase felicÃssima. Tem receio de que ela seja rejeitada por seus amigos. Já percebeu isso por olhares hostis. Vive no centro financeiro da cidade, num apartamento, rodeado de escritórios. A noite todo lugar é silencioso, não existe silêncio durante o dia, em lugar algum, sentencia. Gosta de receber amigos e sempre prepara algo rápido e fácil, para se comer enquanto se ouve música – predominante a canção francesa, alguma música contemporânea americana - e conversa. Parece um personagem de romance europeu do passado remoto. Tem o seu salão e recebe à s quintas feiras. Um caso de transposição através das eras. Separa seus convidados segundo o interesse. Fala polonês fluente, bem como francês. É inconformado com o desrespeito do filho mais velho com a avó. Desrespeito é não seguir as suas tradições. Temperamento muito amável e polido. Apesar de cultor da conversa, não muda de opinião. Em geral, aceita variações sobre um tema fixo. Qualquer ataque à polÃtica de Israel, por exemplo, é ouvida como tendenciosa, ou mesmo, no limite, antissemita. É incrÃvel como o limite é facÃlimo de ser alcançado.
Um foragido de Angola. Um luso miudinho, simpático, de face trigueira e bigode, quase buço, cobrindo o lábio superior. Casado com uma mulher, maior que ele, ameaçadora em caso de perceber algum perigo. Com infalÃveis brincos de ouro. Ganhou uma coleção das obras completas de Eça. Impressionado com a sua vida e obra, lia e relia sempre. Gostava de divulgar o fato das trezentas gravatas do Eça, e de como se apresentava bem. Apreciava também repetir os conselhos do grande Conselheiro Acácio, um exemplo de bom senso, que nem sempre encontrava nos lugares que freqüentava. Comparava o gênio da mulher com o da Juliana Tavira. Uma inteligência superior. “Um pouco ranheta, é verdade, mas não se pode ter tudo, não?†Conseguiu fugir da revolução dentro de uma pequena perua, após despachar sua famÃlia. As mulheres e crianças corriam muito risco naquela época. Ouviu relatos impressionantes dos bumbos. Trabalhava como bibliotecário em São Paulo de Luanda. Hoje vende leite e pão. Faz entrega em domicÃlios. Lembra-se da fuga quase todos os dias, ao entrar no seu utilitário. Não pretende voltar. Está bem. Trabalha-se muito, mas se é recompensado, além do mais a mulher é muito econômica.
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