axiomas & preposições

[Mel de Carvalho]

inflectida  a  voz
desdobra o dorso de uma árvore amputada p’la raiz a que, trémula, m’encosto
   superlativa
   absoluta
   analítica
   sintética …

sintetizo.me e sou: nada.
nada que valha a pena. digo. redigo.  e afirmo  se o leio
no poema que se solta do sorriso amargo de tua boca,
se o sinto na saliva acidula que tomo
lenta, lentamente
     gota a gota
em taça socrática de cicuta,
se, em corpo de harpa e acordes de violino,
tal musa nua, te sirvo, isenta  de servis pedantismos…  integra, integra ainda,
prossigo este ofício esgotante de tentar ser flor-de-lis em aridez de deserto.
mosquito
insecto…
ou
crisálida acantonada
no casulo que forjo a esforço, fiandeira de um tempo:
roca
filamento
fuso
   fio a fio,
na noite no teu espanto
quando  me  reproduzo casta nas águas da praia norte
esgotada de forças e vontades:
   - vaga-sombra,  sombra equina,
coberto  p’lo mutismo 
e solta livre de relinchos acúleos de equídeos em saltos de barreiras …
e, na ponta húmida de meus dedos frios,  paralelepípedos basálticos,
trilhando comuns caminhos,
se reflectem rente  à pele queimada do teu peito
(e na linha cinja de meu seio)
em epístolas, ogivas e círculos completos,
marcas de claustros renascentistas
em que dorme a minha insónia de veias vazias de sémen e de sangue:
faustas glórias
desenhadas em sonho, perfeitas, exactas, a  compasso e tira linhas,
no mármore ebúrneo dos lençóis em que não me deito
                  [mais.

reflicto: não, não valho nada.
   se
   em inflexão circuncidada, amado,
   até  as cigarras já não cantam nas searas em adulação
   o Capitólio parco
   do teu canto e do meu canto.
      [capitulámos, portanto! resta-nos tão só a solidão.]

degolada a radical axiomática do medo
escorre-se então em corrente de sentidos
a distância que me separa da tua vida
de vitrais e de manhãs adormecidos...

[Mel de Carvalho]

Caríssimo Domingos da Mota,
tem todo o tempo do mundo para o ler, rsrss. ficará por aqui mesmo...
tem dias assim, que escrevo entre "axiomas & preposições", e nem eu mesma encontro as razões das minhas tautologias. a existirem são de ordem e códice desconhecido ... enfim.

abraços fraternos
Mel

[Jorge Luiz Alves]

Não é um poema, mas uma expiação literária de beleza inigualável! Incrível, muito lindo.

Parabéns pela ode tão bem urdida e encantadora.

[Mel de Carvalho]

Grata, Jorge Luiz, pelas suas generosas palavras.
Bem-haja
Mel

[Goreti Dias]

"faustas glórias
desenhadas em sonho, perfeitas, exactas, a  compasso e tira linhas,
no mármore ebúrneo dos lençóis em que não me deito
                  [mais."

Porque de sonho e saudade também se faz a vida.
Bj

[Mel de Carvalho]

Goreti, muito te agradeço a vinda aos "axiomas & preposições" do eu lírico que me habita

beijo
Mel