ENVOLTOS NA NEBLINA

[Alice Santos]

Envoltos na neblina
Descalços vão para a escola
Caderno e lápis na mão
Já que não têm sacola.

Levam sorrisos nos lábios
E esperança no coração
Vão sonhando pelo caminho
Esquecendo as pedras do chão.

Na sala estão mal sentados
Mas com vontade de aprender
Estão atentos à professora
Para a fome esquecer.

À tarde voltam a casa
Se assim se pode chamar
Comem o pouco que há
Da cabana fazem lar.

Cantam para esquecer
A dor que neles se alojou
Já não têm mãe nem pai
A doença lhos roubou

Roubados à própria infância
Perderam também os mimos
Esquecidos na neblina
Sobrevivem os meninos.

25/10/2009
Alice Santos

[CAMPISTA CABRAL]

Lindo, maravilhoso poema. Gosto muito do trabalho com a sonoridade, com a rima (não, não sou um conservador, mas aprecio muito o domínio da técnica do verso) Muitos poetas parecem que se esqueceram desse fato. Leste já Cecília Meireles? Manuel Bandeira ou Drummond? Lembro um pouco deles nos seus versos. Parabéns e obrigado pelos comentários feitos. É assim a vida poeta, verso após verso!!! Um grande abraço!

[josé antonio]

Amiga Alice,

Salvo a devida distância no tempo, apenas, este texto fez-me relembrar João de Deus e a sua Cartilha tão útil e querida da juventude da época.
É óptima a polivalência na escrita.
Parabéns.
JA

[Alice Santos]

Obrigada Campista Cabral.
Estes versos foram escritos depois de ver a Grande Reportagem na SIC sobre os Orfãos da Sida em Moçambique. Aqueles olhos tristes, as vozes de criança mas já com tanto sofrimento nas palavras... não consegui ficar indiferente.
A minha escrita é muito simples, por vezes demasiado óbvia, mas foi o que a alma ditou na hora. Confesso que com uma lágrima à mistura. Nada foi trabalhado. Está nú e crú como tada aquela infância sofrida.
Deixo o vídeo da reportagem, para veres.

http://sic.sapo.pt/online/video/informacao/Reportagem+SIC/2009/10/eu-e-os-meus-irmaos.htm

Quanto aos poetas de que falas conheço um pouco de Drummond e de Cecília Meireles. Manuel Bandeira nunca li, mas vou ler.

Um abraço, aqui do norte de Portugal.
Alice Santos

[poesiadeneno]

Aliceps,

Apreciei este seu poema-recordações.


Grato pela partilha.



Abraço

[Alice Santos]

Poesiadenemo,
Eu é que agradeço o tempo que perdeu a ler estes versos.
Acabei por transformar em vídeo. Se tiver tempo para ver, pode também recordar com as imagens (tristes mas, infelizmente, verdadeiras).

abraço,
Alice Santos

[Goreti Dias]

Triste sim, mas a vida tem tanto disso...
Beijo

[Alice Santos]

Obrigada por mais uma leitura atenta.
Beijo

[Oswaldo Eurico Rodrigues]

Alice, mais um primor de texto! Consegui ver as crianças e os ambientes em que vivem. Criastes de maneira a me fazer enxergar com cores fortes porém elegantes a dureza de uma situação como essa que enfrentam muitas de nossas crianças espalhadas pelo mundo.

Grande abraço do Brasil.

[Alice Santos]

Oswaldo,

a poema é sobre os meninos de Moçambique mas, infelizmente, esta é a realidade de tantos outros meninos, de tantos países, que até faz doer a alma.
A SIDA já foi um problema que só afectava África mas, actualmente, existe em todos os continentes e em todas as idades, deixou de ser um assunto que só diz respeito aos homossexuais e toxicodependentes.

Abraço,
Alice Santos

[Oswaldo Eurico Rodrigues]

É mesmo Alice, já era grave e triste quando atingia somente a esses dois grupos. Agora (e sempre), sendo uma real ameaça a todos independentemente de comportamentos, atitudes ou preferências, parece-nos ainda pior. Aqui no Brasil, as pesquisas e o tratamento da doença são muito eficazes. Conheço gente que é soropositivo (uma amiga que contraiu do marido a síndrome) e vive em perfeito estado. Trabalha, cuida da família, vai a igreja, é muito simpática e animada. Incrível! Ela parece não ter nenhum ressentimento em relação ao que aconteceu com ela e nem nunca a vi praguejando quem a contaminou. Aprendi muito com ela.

Grande abraço e um bom dia (aí, boa tarde) com Deus.

[Alice Santos]

Há pessoas cuja força de vontade é de tal ordem que parece que nada os deita por terra. Nem mesmo uma doença como esta.
Tenho um amigo que tem esclerose múltipla e que tem uma vontade de viver tão grande que quando me queixo dos meus problemas até me arrependo do ter feito. que são os problemas do dia-a-dia comparados com uma doença grave como aquela? E ele só tem 37 anos. Foi diagnosticado há cerca de 10. Outros já estavam acamados e ele ainda consegue conduzir. Acho que a força dele, o optimismo, a alegria de viver é que o têm ajudado muito.
Abraço aqui do frio norte de Portugal.
Alice Santos

[Oswaldo Eurico Rodrigues]

É Alice... A vida ainda tem muitas coisas belas a nos mostrar. Entre elas, a força de muita gente e a nossa para muita gente.

Deus te abençoe e também a esse teu amigo para que tanto sofre, mas resiste a ponto de nos mostrar que a vida vale a pena.

Grande abraço...

[Abgalvão]

Esta sua poesia fez-me lembrar um pouco a minha infancia que também não foi nada fácil, mas acima de tudo fez-me pensar em milhões de crianças por esse mundo fora mas principalmente em Àfrica. Crianças que se tornam as principais vítimas dos desmandos dos adultos.
Eu tenho um poema,(acho que já o coloquei aqui faz algum tempo), intitulado - Negros retratos - que denuncia muitas das atrocidades cometidas pelos senhores da guerra, etc., etc.
Nós temos a obrigação de através da nossa poesia apontar o dedo e denunciar tal como a amiga aqui faz. Bem haja por isso!
Cumprimentos

[Alice Santos]

Abgalvao,
muito obrigada pela sua leitura e comentário.
Irei procurar o seu poema.
Todos os poemas são muito pouco para atenuar a dor, a miséria, a tristeza de quem não tem nada mas ajudam a pensar no assunto. Talvez sirvam para acordar os mais adormecidos.
A esperança é a última a morrer...
Abraço
Alice Santos