Guacira
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« em: Janeiro 03, 2010, 18:34:17 » |
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Há poucos dias estive pensando na capacidade de sedução contida no olhar das pessoas, não apenas o da mulher, claro! a sedução que um olhar pode suscitar é muito subjetiva e se constitui uma ‘arma’ poderosa, inclusive, pela possibilidade de ser essa sedução desencadeada pelas emoções de quem observa um olhar e não, necessariamente, pelas emoções do dono do olhar em questão. Daà comecei a pensar em Capitu, por ser um Ãcone que tão bem representa a questão, e por várias vezes tentei escrever sobre o assunto, embora um pouco indecisa por ser ela a mulher mais famosa da obra de Machado de Assis e a mais polêmica da Literatura Brasileira; assim, tantas outras vezes desisti. Nessa divagação pensei em outras mulheres sedutoras, e me veio fortemente à cabeça a Mona Lisa... as duas me causam admiração e me intrigam, embora a enigmática Mona Lisa não tenha inspirado discussão em todo o mundo através dos tempos por causa do olhar, mas em mim, sim. Em relação à Capitu, mesmo sendo um assunto muito rico, e oferecer inúmeros caminhos de interpretação, por já ter sido muito discutido poderia parecer que já nada se teria a dizer sobre ele. Entretanto, estou aqui; ele me instiga, me atrai, me seduz mesmo. Talvez, porque minha filha esteja fazendo uma pesquisa para sua monografia sobre os processos de divórcio na República Velha, situados num determinado perÃodo na cidade de Salvador, tendo a mulher como foco principal. Assim, como conversamos muito sobre o assunto, voltei a me interessar sobre determinados aspectos acerca da trajetória das mulheres na sociedade brasileira (a Gioconda é uma divagação), embora restringindo um pouco para o foco que me interessa aqui. O meu objetivo, como sempre, é a mania da análise e não o de provar nada; nem a inocência nem a culpa de Capitu, embora este tenha sido, talvez, o mais forte elemento a desencadear toda essa polêmica, mesmo que o cerne da questão na obra devesse ter sido o ciúme - alguns autores, homens, juram de pés juntos que ela traiu o marido; sentença do ponto de vista masculino - por ter sido um marco na mudança de comportamento da mulher, que passa daquele ser que quase sempre não tinha oportunidade nem direito de escolha, para uma mulher mais independente e consciente. Até porque, como se refere Wilson Martins, esta é uma obra de ficção que já foi escrita, não sendo possÃvel voltar atrás, restando a todos apenas esse bate-boca: traiu, não traiu... ainda que ele mesmo afirme ter havido traição e ainda que o próprio Bentinho não consiga convencer disso a todos que leram Dom Casmurro, já que nem ele mesmo teve essa certeza. Embora tudo o que pretenda dizer aqui possa parecer conter uma pitada de “nonsenseâ€, procurarei ser o mais razoável e especÃfica possÃvel, porque o meu objetivo é uma discussão muito maior e mais grave: a sensualidade feminina como um pressuposto para a culpa, a traição, o pecado, a sedução intencional, com um determinismo desrespeitoso, imperioso e injusto. Primeiro, é preciso que se reflita acerca do fato de que essa questão é sempre analisada sob o ponto de vista masculino; é o olhar dos homens postos sobre as atitudes e o estar feminino no mundo em todos os tempos, ou seja, o universo dela, tão pleno de subjetividades, mitos, dores e desejos absolutamente pertinentes à sua condição e gênero, numa tentativa de imputar-lhe uma culpa genética, que, absolutamente, lhe cabe como premissa. Estou consciente de que não estou trazendo à reflexão nenhuma novidade, mas também não estou criando demanda em cima do nada. Temos uma predisposição e uma experiência recorrentes de que qualquer acontecimento, tanto no mundo real como na representação, seja de estupro, de traição masculina, ou qualquer outra atitude, ou crime, ou ato considerado menos digno, menos ortodoxo em que a mulher esteja envolvida, principalmente se é uma mulher bela e/ou sedutora, a culpa é, invariavelmente, dela; o mito da Eva maliciosa que tenta e induz o ingênuo e inocente Adão ao erro, ao crime, ao pecado, ou seja lá o que for... Mary Del Priore, em sua obra “História do Amor no Brasilâ€, analisa referências como esta: “Sendo a mulher um agente de satã, toda a sexualidade feminina podia prestar-se à feitiçaria. Seu corpo, ungido pelo mal, tornava-se o território de intenções malignasâ€. Esse trabalho me trouxe interessantes subsÃdios para a questão que se analisa aqui. Aliado ao que já foi dito, no caso de Capitu sabemos que não lhe foi permitido uma única oportunidade de falar; Bentinho foi o único que pode dizer sua verdade, ou o que achava que o fosse, em sua visão distorcida pelo ciúme doentio que sentia; só não sei se da esposa ou do amigo. Quem nos poderia dizer se, pelo fato da criação que teve (predestinado, que estava, a ir para o convento por causa de uma promessa da mãe), a época e os tabus quanto a outras opções sexuais, ele não teria criado esse suposto adultério da esposa para encobrir a atração que sentia por Escobar? Em alguns momentos ele se permite colocações que encaminham à interpretações nesse sentido (Aliás, Millor Fernandes já expressou suspeita neste sentido). Neste caso, a "dissimulada" Capitu com seus “olhos de ressaca†era o álibi perfeito para esconder sentimentos culposos perante si mesmo. E mais, sabe-se que quando escreveu a obra, Bentinho já estava avançado em anos, solitário, arredio, tendo a prerrogativa de colocar todos os episódios da vida dos dois à sua maneira intrigante; nada lhe escapa para indispor o leitor com sua mulher. Desde que tomou a decisão, ele sempre mostra, insistentemente, uma Capitu maldosa, dissimulada, e vem minando a mente do leitor até chegar à condenação. E mais, a forma repetitiva como fala da “personalidade dissimulada†dela é obviamente intencional; esta se me afigura uma técnica similar à utilizada na neurociência, em que se consegue mudar padrões mentais através da repetição para o novo foco que se quer considerar. Será que Capitu realmente é um personagem ambÃguo, ou a genialidade de Machado nos encaminha, pelas mãos de Bentinho (o próprio caminho) para uma interessante análise da personalidade arquetÃpica masculina? Uma oportunidade de percebermos nesses comportamentos masculinos, em relação à mulher, um misto de insegurança, recalque, (machismo), sexualidade mal resolvida, ciúme paranóico, medo, etc. É...cá pra nós, Bentinho tinha um pouco de medo daquela mulher que ele nunca se dispôs a conhecer; então... ela poderia ser mesmo um enigma para ele também, ou a representação (e rejeição) do seu próprio e desconhecido lado feminino. Será que fomos ‘usados’ sem ao nos apercebermos disto? (pelo menos enquanto não se estabeleceu esse clima de polêmica, uma vez que até oito anos após a publicação da obra nada foi contestado em relação à traição). Reforçando aquela questão da culpa feminina no imaginário das pessoas - incluindo-se o da própria mulher, uma vez que elas acusam umas à s outras - percebe-se uma espécie de culpa implÃcita que eu chamaria de culpa/gênese, ancestre e que, usando o mesmo vocábulo para ampliar a análise, perverte, distorce e corrompe o estar feminino em sua beleza, sutileza, suavidade, próprios da sua natureza.
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