Tino Saganho
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« em: Fevereiro 23, 2008, 11:23:20 » |
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Olha, a Pesca aí Vem!
Batiam as seis horas da manhã. Ouviu-se o buzinar de um carro na rua. Era o Tiago, pontual como sempre. As cortinas da janela de um velho prédio abriram-se, um vulto assomou à vidraça e acenou – lhe, ao mesmo tempo que fez ouvir a sua voz: - Já vou! Não te demores que a maré começa a subir às sete horas e, como sabes, temos 120 Km para andar – gritou o Tiago ao amigo, ao mesmo tempo que bafejava as mãos enregeladas pelo frio. - Já vou, já vou, mas vai ser como de costume... meia hora de espera, murmurava ele olhando o relógio. Cerca de vinte minutos depois do “já vou”, o amigo descia as escadas carregando um grande saco de ganga, de cor azul e duas canas de pesca numa das mãos. - ó Jorge, tu não tens um raio de um relógio despertador que te acorde a tempo e horas? Tenho que ser sempre eu a tirar-te da cama! – Desculpa lá, Tiago. Com este frio, a cama sabe tão bem... que nem apetece sair dela – desculpou-se o Jorge. Depois de um breve trocadilho - amistoso - entre ambos, lá meteram “pés ao caminho” rumo ao seu pesqueiro predilecto. Durante os primeiros 50 km de viagem, houve silêncio absoluto. Dentro do carro a temperatura era amena e... acolhedora e o Jorge aproveitou para dormitar um pouco mais. A natureza não o dotou de uma forma silenciosa de dormir, bem pelo contrário, quando adormece profundamente ressona ruidosamente!
- Ó pá, olha que não se dorme ao lado de um condutor – gritou o Tiago ao amigo, simulando-se zangado. Pelo que vejo andaste na boémia... a noite inteira. Acorda! Olha lá, trazes o isco? - Claro! Sardinhas, bicha e amêijoa – disse o Jorge, ao mesmo tempo que se espreguiçava no acento do carro. Entretanto, os dois amigos saíam da auto – estrada e preparavam-se para entrar nos últimos vinte quilómetros que os separava do mar. Era uma estrada alcatroada, mas muito estreita, por entre enormes campinas a perder de vista. A natureza estava ali bem presente com a riqueza da sua fauna e flora. Quanto mais perto estavam da praia, mais o condutor carregava no “prego”, tal era a ansiedade de chegar. Já perto do destino, os bandos de papagaios multicolores, melros, rolas e outra passarada fugiam assustados à passagem do automóvel. Ao desfazer uma curva apertada, uma “unha negra” evitou que um canguru – que atravessava a estrada aos saltos – fosse atropelado. Cerca de cem metros mais à frente, os dois amigos depararam com um espectáculo deslumbrante: - Um denso arvoredo circundava um pedaço de terra. No centro, uma clareira onde o Sol brilhava intensamente. Aí, um grupo de cangurus formava um círculo. No meio do circulo, um desses animais movimentava-se de um lado para outro e, de quando em quando, empinava-se nas patas traseiras e parecia gesticular com as dianteiras. Sempre que o fazia os companheiros imitavam-no e soltavam uns sons abafados, semelhantes a vozes humanas roucas. Se é verdade que os animais se comunicam - eu acredito que sim – então eu diria que ali estaria a decorrer um género de... assembleia geral entre eles. Este foi um momento belo e único, proporcionado por animais também únicos, que só a Austrália tem o privilégio de possuir.
- Anda daí que os robalos estão à nossa espera - disse o Tiago ao amigo, encaminhando-se apressadamente para o carro. Alguns minutos depois, já ambos estavam a pescar, naquela praia deserta do Sul de Austrália. A praia, que principia onde termina uma pequena montanha, densamente arborizada, era apenas frequentada por pescadores e surfistas. Os primeiros, porque ali abundava a pesca. Os segundos, porque as ondas eram enormes na subida da maré. Mas nela também existe um perigo eminente, que requer olhos constantemente abertos. – Os tubarões! Esses predadores marinhos que a tantos pescadores e surfistas já deceparam braços e pernas são, realmente, o terror de todos quantos mergulham nessas águas temperadas do Oceano Pacífico. - Já tiveste algum toque? – perguntou o Tiago ao amigo. - Nada e tu? - Também não e acho que hoje vamos levar nega... Nunca regressámos a casa sem peixes, mas desta vez tenho um mau pressentimento. - Ora! Não sejas tão pessimista que a hora deles virem ao lanche há - de chegar. - Ao lanche vou eu, que vai caminhando para o meio dia – disse o Tiago - e, carregando a sacola foi sentar-se junto das suas canas. O amigo aprovou a iniciativa e sentou-se a seu lado. Comeram, beberam e conversaram sem que um só toque acontecesse.
- Sabes Jorge, há uns tempos para cá os pescadores de arrasto têm intensificado as redes nesta área e levam o peixe todo. Se eles soubessem que nós nos deslocámos de tão longe... - Mais meia hora e vamos tentar a sorte no rio, ás carpas – propôs o Jorge. - Combinado! E os dois amigos, de olhos pregados nas ponteiras das canas, não conseguiam disfarçar a amargura que lhes ia na alma. A pesca desportiva, para quem a ama verdadeiramente, é como um amor que se aloja dentro do coração. E quem não saboreia o fruto desse amor, sofre! Estava o Jorge a confirmar se a tal meia hora já tinha passado, quando: - Olha, a pesca aí vem! - Animou o Tiago, apontando para o mar. - Como assim – exclamou o amigo. – Então não vês aquele baleote ao largo? – E que tem ele a ver com o facto de a pesca estar a chegar. – Quando um baleote persegue os peixes, eles fogem para a praia, pois aí encontram a salvação, visto que não há profundidade que sustente esse predador. – Ah! Essa eu não sabia. Então sempre vai haver pescaria... – disse o Jorge esfregando as mãos de ânimo. Alguns minutos volvidos e... – Eles aí estão! Vamos a eles - gritou o Tiago. As várias canas vergaram completamente e as linhas vibraram de tanta tensão. Os dois amigos correram para elas e, a partir desse momento, não lhes davam vazão... Depois de encheram os baldes de robalos, regressaram á cidade de Adelaide, onde viviam e, nessa noite, houve grande caldeirada de peixe com amigos da Comunidade Portuguesa.
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