pai ...

[Mel de Carvalho]

pai

gostava de te escrever um poema

uma frase lapidar que fosse

que falasse de luz e de sol

do cantar das cotovias

do grasnar dos patos bravos,

como os contavas, nas tuas infindas caçadas

a chapinhar o mondego,

 

gostava que to pudesse ler

sentada no teu colo

e que tu me olhasses e me achasses bela

como quando era menina.

     Melinha …

 

gostava que pudéssemos juntos

discutir a data das próximas vindimas

o enxerto das pereiras

os garfos

os cavalos

a azáfama  das enxertias

 

(que nunca mais me cortasses rentes as minhas roseiras

em pleno agosto ...

                   que não me cortasses de ti ...)

 

 

que ríssemos juntos, como então, do descomedimento do povo,

nesse querer sempre e sempre mais,

 

- sol  na eira e chuvas nos nabais -,

 

do ponto do refogado,

das tuas "mixórdias" ...

que quisesses que comesse, na matança, os testículos do porco

          (não, pai, não comeria ... que nojo...)

e tu rias, gozando o prato..

          e eu ria ... era criança uma vez mais...


 

do armazenado da lenha, da época  das tuas  sementeiras

- tinhas o bord’água, bem sei,

não te fiavas em mim ou sequer nas  “curandeiras” … ,

 

gostava de te falar

da incomensurável importância das andorinhas

que te sujavam o quintal

da sua aparente fragilidade …

 

gostava que tivesses visto este meu lado

insurrecto

onde as palavras correm  

como o tejo a teu lado nesse teu leito de morte


sob a lápide de um cemitério...

 

que tivesses pressentido que a minha vida

não era lezíria plana, riacho ameno, quieto,

num qualquer tempo parado …

 

que tivesses ouvido o grito

que calava no meu peito…

…

 

sabes, em certos momentos palpito

que tu sabias tão pouco de mim

(e eu de ti? dirás agora ..., nada. nada sabia, por certo …)

 

gostava que, ontem, que hoje,

que amanhã,

pudesse olhar  teus olhos

na doçura que sentia  

sempre antevisão

nostalgia

mágoa que te enviúva o corpo…

 

…

 

mas tu partiste

o teu lugar é agora partícula do infinito,

e talvez, volvido todo este tempo,

sinta mais forte  este aperto

de nunca ter sido capaz de ter dito do embargo

que me retalha pontífice o peito…

 

 

       sabes, pai, escuta-me agora: amava-te de qualquer jeito …

       amo-te ainda.

 

 

 

[Manuela Fonseca]

Querida Mel

Uma grande homenagem a muitos pais do mundo, esta que aqui nos deixas.

Mas este pai...era o teu!

" sabes, pai, escuta-me agora: amava-te de qualquer jeito …

       amo-te ainda."

Um abraço e um beijo, por cada dia que vai, a todos os nossos pais!

Beijo*
Manuela

[Goreti Dias]

Sabes, Mel, um dia damos conta de que é tarde. Para ser amado, para amar. Foi-se todo o tempo na incompreensão, na distância, no amanhã recompomos as coisas. Depois... depois... damos conta de que não há mais amanhã.
Beijo

[margarida]

É uma bonita homenagem. Cada um sabe o pai que tem, se merece ou não ser homenageado. Muitos não merecem, poucos filhos terão coragem de o afirmar. Mas não fica bem dizê-lo

[helenacosta]

 Mel,
  Belíssima homenagem!
 Ao ler teu poema, bateu-me uma grande saudade no meu coração.Recordei os belos momentos que passei junto do meu.

 Beijos

 Helena

[António Lóio]

Mel
Que bela oração! Não pude deixar de recordar o meu pai...
Gosto muito da sensibilidade dos seus poemas. Tocante.
Bj
Tom

[siouxsanne]

Um poema que sem dúvida toca muitos corações!

(A mim lembrou-me o sorriso malandro daqueles olhos verdes por detrás dos óculos...que saudades!)

Beijinhos,

Susana

[Oswaldo Eurico Rodrigues]

Estou com a voz embargada, mas de felicidade por poder recordar do Sr. Oswaldo velho, meu querido pai. Infelizmente faleceu sem saber quão maravilhoso foi para mim. Deus o sabe.
Enfim, um poema que me deu oportunidade de reviver momentos felizes junto de alguém tão caro e tão querido quanto meu pai. Um poema onde uma nobre filha.

Obrigado, Mel, por esse momento de grande ternura. Tudo de bom.