M. Nogueira Borges
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« em: Julho 01, 2010, 22:46:02 » |
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ECOS
Ouço, ao longe, por entre o ruÃdo monótono da chuva, ecos de vozes que vêm envoltos em tons de murmúrios. Umas vezes, parecem gemidos de moribundos que se agarram à esperança; outras, gritos de vida reprimidos para não ofenderem a solidão; ainda outras, ilusões reincarnadas dos que já partiram, semelhantes a cicios vindos das profundezas telúricas. Todos me chamam sem recriminações, numa toada de quem tem uma carÃcia, um aviso, um conselho, e, até, uma pena a trasmitir. São tão calmos que apetece sair DAQUI e ir ao seu encontro; tão meigos que nem as lágrimas acalmam o fatalismo da sua ausência; tão puros que despertam aventuras de fuga à realidade. Chegam-me da memória, de longe, de muito longe,como uma angústia de quem partiu sem o desejar; como quem se vai, prematuramente, a cumprir uma injustiça, uma inocência mutilada. São nomes de afinidade ou de sangue. Aproximam-se em requebros de vozes, estendendo-se pelos montes e vales da minha infância, misturados com o tic-tac das tesouras da poda ou com os zumbidos dos pulverizadores do sulfato. Aproximam-se, pé-ante-pé na grandeza da sua dimensãp fÃsica, de rostos iguais aos que recordo, de mãos abertas, sorrisos e modos de como quando convivÃamos. Não são fantasmas – que nunca os tive -, são lembranças, ânsias que retinem cá dentro neste silêncio que magoa e se ouve melhor que qualquer berro. O silêncio tem voz, que é uma efervescência, misto de abandono e de amor desesperado pelo reencontro.
Pode a cidade confundir-se nos pregões dos cauteleiros ou nas asneiras dos bairros, ser um dédalo de carros e gente de manhã à noite, um palco de frustrações ou génios anónimos, pode ser tudo o que se sonha ou se repele, nem por isso esses ecos deixam de fazer parte da minha refluência. Palavras que emocionam ou violentam num passado que não é só bondade, num presente que não é só remorso; gestos e acções que nem se sabe se motivados pelo rancor ou pela incultura, pela falta de respeito ou de perdão, pela teimosia ou pelo prazer do mal alheio. São palavras e figuras que nos acompanham na serenidade ou na balbúrdia. Como num filme que nem o sono apaga, quando, mesmo a sonhar, revivemos a iluminura de voltarmos ao pretérito. Serão esses ecos, afinal, premonições do que havemos de ser ou decifrações de onde vimos ou viemos?...
M. Nogueira Borges 2/7/10
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