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« Responder #117 em: Dezembro 27, 2010, 12:03:17 » |
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Carta n.º 6
Algures em Novembro
Há muito que te queria escrever umas linhas, mas, sem pretexto, não passava de uma vontade impressa no pensamento. Agora, aconteceu o inesperado e o tal pretexto que não tinha, apareceu do nada, obrigando-me a cumprir o que me havia prometido. Sabes, é que, ainda que a vida nos tenha cruzado e descruzado as linhas do destino e o tempo se tenha ocupado em tornar cada vez maior a distancia fÃsica e o total desencontro de lugares, não conseguiu, contudo, apagar o que o sentimento desenhou e imprimiu na alvura da minha alma de então, cujo sentido se resume numa simples expressão, que, aliás, não te cansavas de mencionar nas cartas que trocamos na época; o amor fraternal. Talvez não saibas, mas ainda guardo todas essas cartas que me enviaste durante aqueles dois anos após o nosso encontro casual naquela tarde quente de Junho. Cartas essas onde me deste a oportunidade de te conhecer verdadeiramente, de descobrir o ser maravilhoso que existia no Ãntimo de ti, capaz de dar tudo o que tinha pelo seu semelhante mais necessitado. De acreditar nas tuas convicções, de te saber genuÃno nos sentimentos que te moviam e que bebiam na fonte cristalina da tua fé imensa num Deus redentor. Nunca consegui seguir-te os passos, como era o teu desejo (ainda guardo igualmente aquela pequena bÃblia de capas cinzentas que me ofereceste)... perdoa-me, mas a fé é algo que nasce e que tem de vir de dentro de cada um, algo em que se acredite piamente, se sinta verdadeiramente e se entenda como uma verdade! E a verdade, é que nunca senti nada semelhante nem com o teu constante apelo nas inúmeras tentativas que fizeste para me converter em mais uma fiel ovelha do teu rebanho. Desculpa, mas eu sou assim, firme em certas coisas. Já noutras...
Sabes, para além de ficares eternamente nos corações daqueles que contigo privaram onde me incluo também, deixaste um imenso vazio no coração daquela com quem partilhaste a vida e que te acompanhou sempre. A companheira que te amava incondicionalmente. Este poema foi escrito por ela e fazia parte do conteúdo do email que me enviou com o teu endereço...
Amor, No tempo e no espaço onde vivo sem teu amor A existência perdeu seu brilho E queria dizer-te, ainda hoje, que contigo foi toda a minha felicidade!
Amor perdido é um Amor que permanentemente dói e dilacera a alma Nem o vento, nem a chuva, nem o sol, ainda que acariciem meu rosto, poderão fazer-me esquecer o carinho de tuas mãos O despertar da manhã não traz esperança de mais um dia contigo Nem o cair da tarde a alegria do reencontro Nem a noite o calor de teu corpo E quando nela tento o esquecimento Tu ainda voltas no sonho…
Mas nada, nada pode reavivar a existência desse amor que só a ti pertence! Amo-te é a palavra que te digo todos os dias E é essa mesma palavra que tantas vezes repetiste que ainda ouço Amor, vemo-nos logo, 365 dias foi apenas um dia!
Que me dizes? A tua célebre frase, tão racional, que sempre atenuava minhas tristezas: «Deixa isso!»? Como deixo isso? Quem, para além de ti, poderá acompanhar-me nesta travessia? Deus responde em teu lugar: vai ao jardim! Lá encontrarás a flor da amizade…
Esta carta nunca te irá chegar às mãos, mas vai ficar a pairar num espaço virtual, onde, acredito, a tua alma paire também...
Desta tua amiga que nunca de ti se esqueceu
Carta n.º 7
Sexta Feira, 03 de Dezembro de 2030
Olá! Por esta não esperavas tu, companheira. Receberes uma carta do futuro, enviada de um tempo que não passa de utopia. Mas aqui estou eu, a escrever-te estas breves linhas para te dar conta de que ainda por aqui ando, o que julgo, muito te agradará saber. A esta altura deves ter o cérebro a trabalhar a 100 0 à hora, a braços com a surpresa do impensável inesperado. Bem sei que não te deve ser fácil lidar com o surreal da situação, mas tenta acalmar-te e ler-me com atenção. Pensa, se recebeste notÃcias minhas com vinte anos de avanço, é sinal de que os tempos mudaram tanto tanto, as tecnologias evoluiram a uma ponto que entraram numa dimensão inimaginável nesse tempo em que te encontras ainda. O que antes seria coisa de loucos, hoje é algo tão normal como o simples acto de falar! Mais, tendo em conta que esta carta que tens nas mãos foi escrita e enviada por mim, bem podes pular de alegria porque é mais que certo ainda teres pelo menos mais vinte anos de vida! Pois é, acredita que sou eu quem te o diz e como bem sabes, não sou pessoa de inventar seja o que for, muito menos mentiras. Companheira, não te vou estragar a surpresa daquilo que ainda tens para viver, pois isso seria uma desfeita para com a minha própria pessoa e era bem capaz de te tentar desviar dos caminhos que, embora te possam trazer obstáculos, são os únicos capazes de te proporcionar e fornecer o sal da vida, o tal que dá aquele temperozinho tão saboroso e pelo qual vale a pena correr certos riscos... faço-me entender? Tens de viver cada dia como se fosse o último e procurar em cada um deles, nas pequenas coisas por mais insignificantes que te pareçam, aquilo que marque a diferença e torne o de hoje sempre um pouquinho melhor do que o de ontem. Continua a ser como és, não faças é muitas asneiras que te possam comprometer a saúde do corpo bem como a sanidade da mente e vais ver que ainda me apanhas...
Aceita uma piscadela de olho desta que em ti vive e de ti ainda muito espera.
Até um dia, companheira!
Carta n. 8
Exma. Administração,
É com profundo sentimento de liberdade que lhes dirijo esta carta, depois de quase nove anos de degredo na vossa empresa, que coitada, por ela só, não faz mal a ninguém. É certo e não nego, muito ter aprendido com todos vós, Senhores Administradores durante o tempo em que servi nas minhas funções de Director, por inerência do cargo, de quase tudo como é habitualmente exigido aos directores que exercem os seus cargos responsavelmente. Lamento no entanto confessar-lhes que o que aprendi convosco estou agora a tentar esquecer por todos os meios para voltar a ser digno de mim próprio. Nunca necessitei de recorrer ao cinismo e hipocrisia, nem muito menos à mentira e cobardia para alcançar os meus objectivos, nunca precisei virar a cara fosse a quem fosse, nem mesmo a partir de agora o farei com V. Exas. porque afinal o elo fraco está do vosso lado, não do meu. É obvio que não estou magoado, pois este mundo é uma selva e todos somos animais, só que, uns mais que outros, convenhamos. Sim, sofri imensas escoriações na minha maneira de ser, mas nenhuma delas que não tivesse conseguido cicatrizar, sem um leve pronuncio de infecção, porque sempre consegui expelir o vosso veneno atempadamente do meu ego. As pessoas que fui forçado a demitir, continuam minhas amigas, realidade que V. Exas. nunca entenderam, porque sempre muito distantes delas, faraós auto nomeados enquanto mergulhados na gamela do pseudo poder de quem não valendo, pensa valer, sem olhar em seu redor, apenas ouvindo os aplausos dos desgraçados submissos e nunca o grito de verdade e revolta dos que quase sempre têm razão e são capazes de fazer um retrato perfeito de quem os comanda, sem verdade, paixão e camaradagem, sim porque as amizades só têm validade nesta vida meus senhores e não me consta que de algo sirvam na sepultura. Não desejando aumentar o peso do vosso saco de remorsos, porque afinal, quem possa ter o poder de o fazer, tal o fará, sem de mim necessitar. Despeço-me com votos sinceros de rápida e profunda recuperação, a qual acredito em alguns de vocês seja extremamente dolorosa, senão mesmo impossÃvel. E acreditem que teria sido mais bem feliz se não vos tivesse conhecido, mas a vida tem destas surpresas e com elas temos de sobreviver. Melhores cumprimentos e se necessitarem de algo apelem ao vosso poder indestrutÃvel, como julgam possuir.
Carta n.º 9
Na passadeira te ficaste Hoje, devido a um acontecimento banal e inopinado, invadiste-me a memória de tal forma que decidi escrever-te esta carta. A última que te escrevi já faz muitos anos, era eu pequeno, e foi escrita dias depois do teu falecimento. Não me recordo que palavras nela escriturei, mas tenho a certeza que a leste. Hoje o destino levou-me a atravessar aquela passadeira, carcomida pelos pneus dos automóveis, onde tantas vezes atravessavas comigo de mãos dadas e me ensinavas as regras do bom peão. Olhar para a esquerda, olhar para a direita… Atravessávamos e depois fazÃamos um gesto de agradecimento aos condutores, que, dizias tu, ficava sempre bem. Depois seguÃamos até ao portão da escola onde me deixavas. Dizias-me sempre para me aplicar nos estudos para ter um futuro risonho, e, antes de me dares um beijo de despedida, metias-me uma moeda no bolso para comprar uma guloseima no final das prelecções da professora Teresa. Tenho tantas saudades desses tempos avô! E hoje emergiu-me tudo à memória, aquele dia fatÃdico, aquela mesma passadeira, os condutores a saÃrem dos carros em teu auxÃlio, tu no asfalto agarrado ao peito, a sirene da ambulância que se aproximava, e eu ali, imóvel, pingos nos olhos, de mala a tiracolo sem saber o que se passava contigo. Ainda hoje me custa a compreender como o teu coração te atraiçoou. Sempre foste um homem de saúde, fizeste muitos anos desporto, até foste federado em hóquei em patins, não fumavas nem bebias… Hoje não choro porque já sou um homem e tu sempre me disseste que os homens não choram, mas amanhã, logo cedo passarei pelo cemitério e te deixarei esta breve carta em cima da tua laje. É que desde a primeira carta que te escrevi, que acredito que à noite nos cemitérios há vida e que tu a lerás. Com saudades, Ricardo
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