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« Responder #163 em: Janeiro 20, 2011, 10:11:46 » |
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Carta n.º 12
Carta a uma mãe…
Estou aqui sentada suportando tanto peso nos ombros com apenas onze anos. Tenho o teu retrato nas mãos, não é papel é a memória que sabe de cor todos os teus traços, o teu cheiro e o sabor do teu colo. Sinto-me bem aqui parece que estamos mais próximas, sei que não me podes responder, mas mantenho em mim a esperança que escutas todas as minhas palavras, como há tão pouco tempo. Pergunto no silêncio repetidas vezes a Deus, porque haveria de ser a minha mãe que Ele quis para companhia…existem tantas mães de filhos mais crescidos que Ele ainda não chamou… Dizem-me que é para tu descansares mas eu não compreendo, tu não andavas cansada? E se andavas podias descansar aqui, eu ficava no teu colo, tu dizias que isso era bom para ti… Na escola os professores no meio das aulas chamam por mim: “Parece que estás nas nuvens?!â€â€¦E sabes eu penso mesmo que estou, as nuvens estão aà mais perto de ti. Os meus colegas riem-se, eu não acho graça nenhuma, já não tenho vontade de rir. Nunca soube o que era ter saudades tuas, e não gosto nada de as sentir. Todos os dias de manhã acordo vou até à cozinha e penso que te vou lá encontrar, mas quando observo em toda a volta tu não estás…em cima da mesa está a caixa dos cereais que o pai ali deixou com a minha caneca para eu comer, antes de sair para trabalhar, mas eu não tenho vontade…depois penso que tu queres que eu coma, dizias sempre que era importante para mim, então lá como e vou para escola… Também já não vou a correr… Numa das minhas conversas em que parece que Deus não me responde, senti dentro de mim vozes que me dizem, tudo isto aconteceu a ti porque tu és muito forte, uma menina que sabe fazer tudo…pois é! Há, mas sabes eu não acredito, tenho medo e não quero crescer…quero ser a tua menina e ficar aninhada no teu colo… A tia esteve cá e deu-me muitos mimos e colo…sim, não é como o teu! Mas eu não lhe disse nada para ela não ficar triste, as pessoas tristes sofrem… Eu agora sofro e nem sei porque, não estou doente e todos os remédios que me davas quando sentia dor não me fazem nada… Sabes mãe, não consigo apagar o teu último olhar, sabias que ias embora e que eu ia ficar… No entanto agora só queria descansar… Sabes agora tenho que ir embora, está na hora do pai chegar e tenho que o ajudar a fazer o jantar, ele não se entende nada na cozinha…eu também não! Depois penso nas coisas como tu fazias e os dois fazemos, nada fica como quando eram as tuas mãos… Eu vou! Logo à noite antes de dormir volto a falar contigo para tu não te esqueceres de mim, porque mesmo aà longe eu preciso de ti minha mãe…para mim serás sempre eterna!
Carta n.º 13
Voltei hoje ao lugar de sempre, onde as cancelas abertas não tinham apeadeiros e os sonhos nunca murchavam no condutor, que em suposta perfeição acelerava os passos nos dias, plantando histórias sem fim. Eras em tudo o meu despertar, o meu passo de monção, a razão irracional infinda, de permanecer do inÃcio ao fim, com o leme voltado ao vento sul. De repente os dias escuros mudaram-se para dentro de mim. Na impávida cadeira, tão velha quanto o próprio tempo, deixei-me e por ali fiquei, petrificada com o sol sempre no poente, sem saber de mim ou da minha insensatez. Habitei nela no mais profundo vazio, no mais outonal grito da negação, tentando encontrar uma lógica, uma qualquer incógnita filosófica para entender o final. Hoje retornei junto á árvore, onde construÃmos sonhos e mitos, onde construÃmos versos sem palavras, onde fazÃamos das sÃlabas uma música de folhas abertas. As lágrimas que me circundaram, esvaÃram-se num estendal de dunas e um vazio intemporal, acoplou-se ao brado seco das ondas certas, num qualquer traço suicidário escrito em papel endémico. Era o eco da própria pedra, esventrada de signos, abalroada de uma ausência apocalÃptica. Depois olhei para mim e vi que por ti, tinha alterado o rumo de todos os caminhos, tinha-me descalçado na mudez das pedras fragmentadas, tinha-me tornado faminta das migalhas de sonos, cravejados de insanos sonhos, abortados de imagens que me mataram noites, no barco que lentamente se tinha afogado. De nada tinha valido os quilómetros fátuos que andei como romeira intemporal que não saiu do mesmo porto, ou do pão ázimo que me fermentou a lucidez, e me toldou a razão, num qualquer adorno de mosto no rosto das algas. Ali estava o meu passado, vestido de águas, acorrentado à s incertas pedras que me rasgaram as pernas. Desceu em mim, uma dormência quase trágica e um silêncio obsceno impediu-me de andar. Gritei todos os versos projectados nas falésias, empurrei todos os ventos fingidos, enterrei no lodo o tacto ágil das gaivotas, delapidei em átomos o cinturão frenético que me tinha prendido os sentidos. Olhei o mar! Agora podia sentir nos braços a fragilidade da música dos búzios, podia tocar a espuma do mar-chão e libertar-me do jugo da terra ressequida. Tinha finalmente despido as amarras dos intrÃnsecos ventos! Tinha aberto os ombros ao calor da lúcida manhã. Não vou reler o que te escrevi, pois o vento que me corre agora é um rio pujante e iluminado que me sacia as velas dum sistema sem regras. Agora que respirei fundo e fechei todas as gavetas, vou fazer uma música aos pássaros e sentir na garganta o postigo da lua.
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