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Autor Tópico: Reacção em cadeia  (Lida 2271 vezes)
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Maria Gabriela de Sá
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« em: Outubro 12, 2015, 19:46:55 »

Que me lembre, entre outras coisas, reacção em cadeia era o título de um filme já com alguns anos. Nunca o vi. Era demasiado pessimista para a minha esperança. Tratava, segundo creio, de mostrar as sequelas dramáticas de uma guerra nuclear hipotética que, desejamos todos, nunca se desencadeie, para o bem da humanidade e sobrevivência do nosso amado Planeta Terra. Amado sim, embora maltratado, nesta estranha maneira que os homens têm de amar, lixando.

A propósito, o meu edil não se dignou ainda colocar aqui na zona aqueles recipientes para a separação dos lixos. Assim, o meu continua a aparecer lá no cemitério de resíduos completamente indiferenciado. O sujo com o limpo e o limpo com o sujo, sem outra utilidade que não seja ser simplesmente lixo. Ou sairá dali algum fertilizante para as terras? Seja isto, ao menos. Mas eu podia mandar o plástico a um lado, o cartão noutro e, finalmente, o vidro num outro. Se isto é como é, a culpa não é minha e os meus vizinhos, tendo já mostrado estarem-se nas tintas para uma boa dezena de coisas, é óbvio que para estas terão uma razoável paleta de cores no seu conceito de ecologia. Todas negras sem dúvida. A reacção em cadeia que me despertou hoje o desejo de escrever não tinha nada a ver com o lixo. Era, antes de mais, uma tentativa de ser uma cronista tão hábil como António Lobo Antunes (meu Deus, quanta imodéstia!) o tal escritor escrevente ao ritmo do seu pensamento. Daí ele ser tão difícil de ler. Sendo o pensamento por vezes demasiado doido, terá de se ser igualmente demasiado bom para se escrever um livro coerente. Isto se não se quiser deixar o leitor aos papéis com a dispersão entre o passado de agora, o futuro daqui a alguns segundos e o presente depois. Mas, também, perante livros assim, não sei quem terá de ser melhor, se o escritor se o leitor, que às vezes tem de se comportar como um autêntico adivinho das loucuras do pensamento dos outros.

Bom, hoje o meu tema era a reacção em cadeia e, mais concretamente, o H5. Lobo Antunes apareceu só por acaso e por eu me ter deixado levar pelo ritmo dos meus próprios pensamentos. Não sei quem me meteu lá no H5, onde andei uns anos quase sem saber. Ou, pelo menos, sem me lembrar de ter dado esse grande passo no reino da Web. Eu não fui, de certeza, visto ser uma nódoa a informática bem maior do que a Cordilheira dos Andes. Ou mesmo do Monte Evereste. Foi talvez o Pedro, o meu amigo da informática lá do sítio e do tempo da outra senhora a quem me vendi durante quase 30 anos, até conseguir o meu passaporte para a liberdade. Mesmo que o horizonte último dessa liberdade seja o céu. O céu é mesmo uma coisa boa para quem acredita no além. É o meu caso. Faz-me bem pensar na hipótese um dia conhecer S. Pedro com as costas livres da minha espondilose crónica e, sobretudo, sem dores. Além de querer, nesse dia, entabular conversa com ele em inglês. Sendo uma língua universal, com certeza também já foi adoptada quer no éden quer no Inferno. Eu tenho de me safar muito bem pois, se não me conseguir fazer entender na hora de evocar os meus pecados e virtudes, corro o risco de ir para o caldeirão onde caem e rangem os dentes de toda a gente, com e sem cáries. Mas sim, foi certamente o Pedro a registar-me no H5.

A primeira razão foi talvez o facto de eu ser mais um ponto no seu rol de amigos, mais uma foto a cores no mural para todos verem quanto o Pedro era bem e longamente relacionado. E eu também beneficiaria com isso. Um amigo acrescenta outro amigo, os amigos comuns multiplicam-se até já ninguém saber quem é quem e por que se anda ali a fazer nada. Tudo isso aconteceu antes de eu saber quanto apreciava o silêncio da minha casa, onde gosto de me encontrar a sós comigo. Se na altura já soubesse isto tão claramente não teria dado o meu aval ao Pedro, facultando-lhe ainda uma foto com ar de festa para ele colocar no mapa-mundo da Web onde eu teria tantos amigos como demónios tem o diabo na sua legião. Nessa altura não sabia quanto me entediariam as fotografias de inúmeros homens a navegarem por ali numa clara atitude em que o engate, mais do que implícito, é demasiado ostensivo para eu me sentir bem nesse ambiente. Mas tudo isso só o soube depois, num dia qualquer e quando recebi a notificação de que alguém tinha visto o meu perfil. Um homem, com certeza. Se até ai tinha estado algo preservada do H5, nessa altura devo ter feito inadvertidamente qualquer coisa que contribuiu para encher diariamente a minha caixa do correio.

Depois, tive de me confrontar comigo mesma, naquela foto seca, sem nenhuma palavra a definir-me. Estava na altura de a vestir com alguns farrapos. Vendo bem, os que usei eram excessivamente provocatórios: Era ecléctica na música. Gostava de tudo menos de fado, que me servia unicamente de pretexto para os encontros com amigos. Nos livros era igualmente versátil e falava naquela delícia de A Cidade e as Serras mais as considerações de Jacinto acerca da civilização, demasiado entediante para ele nos seus últimos tempos de Paris.

Quanto ao andar pelo H5 – escrevi então – devia estar doida no dia em que permiti ao Pedro a inscrição naquele centro de engate. Sobretudo depois de já ter sido comprada por não sei quantas pessoas como se fosse uma vaca mirandesa ou, para não ser tão vulgar, como um jogador de futebol que se vende aos clubes como se estivesse a vender a alma ao diabo. A maioria dos meus compradores eram homens de todas as idades e o mais novo tinha apenas 19 anos prontificando-se a proporcionar-me, além do mais, alguma coisa para lá de ser meu dono virtual. Cheirou-me logo a carne e nesse dia decidi que não iria transformar-me em canhão de ninguém. Estava na hora de cancelar a conta. E eram umas centenas de gajos a andar por ali. Bonitos e feios, feios e bonitos, velhos e novos. Enfim, quanta fome encoberta e quanta gente infeliz.

Um dia, depois de tantas fotos ver e recusar convites de amizade, recuei uns anos no tempo quando, depois do jantar, ia ao café encontrar-me com os amigos e trocar dois dedos de treta, que se prolongavam até à hora do fecho por volta da meia-noite. A manhã seguinte tinha na agenda os compromissos habituais, a escola, o trabalho, e era preciso acordar com ar sereno para a enfrentar sem fastio. Às vezes mudava-se de lugar e de amigos, embora a conversa e as anedotas fossem talvez as mesmas mas em cenário diverso. Não acredito que tivessem sido sempre isentas de vazios mais ou menos pesados, porque os vazios não são exclusivos do presente. Só que no passado tentavam preencher-se cara a cara com outros vazios, mais humanos e com um rosto que não se circunscrevesse a uma foto por muita alma que essa foto pudesse ter. Era um convívio que nos deixava, apesar de tudo, mais saudáveis e muito menos solitários, quando o computador e a Net eram apenas uma miragem e o telemóvel estava ainda a anos-luz de um uso tão generalizado que a mim me permite ter dois. À noite, as ruas da cidade não ficavam desertas, havia um café em cada esquina, menos do que os milhares de computadores de hoje em dia onde cada um se esconde quantas vezes numa solidão altaneira. Hoje em dia, a noite na cidade vive morta durante cinco dias para ressuscitar no final da semana em sítios onde a palavra de ordem é o álcool que a mesma gente dos vazios de sempre emborca sem conta e na medida numa cultura de miséria: é o amor que não existe ou anda desencontrado, a vida em casa que é uma bodega, com muitos pais à turra e à massa constantemente, o emprego que ainda não surgiu ou que se perdeu nas fábricas fechadas ao ritmo de uma leucemia galopante e nos contratos a prazo ou a recibos verdes. Depois, são umas quantas almas martirizadas e remetidas para esta coisa invasiva da internet e para as ruas da cidade às sextas-feiras e sábados em que o lixo e as garrafas vazias se tornaram a imagem do fim-de-semana e quando o sinónimo de diversão é o culto à bebedeira. Foi o que eu vi numa das minhas últimas incursões pela noite. Muitos jovens a quem não se avizinha um futuro risonho e para quem o conceito de lúdico parece passar essencialmente pelo álcool. E isto deveria ser rapidamente alterado. Quando muito, se não houver um meio-termo entre os dois, preferiria que os mais novos dos nossos tempos ficassem na história como “A Geração do Iogurte” e não como “Os 2,5 Decilitros de Álcool no Sangue”. Enfim, é a minha reacção em cadeia de hoje, tempo em que os cafés fecham ao cair da tarde e a cidade fica vazia, porque velhos e novos se quedam atrás de um computador a encher os vazios possíveis. Uns até sexta-feira e outros de segunda a domingo.

Foi o que saiu no último feriado do Corpo de Deus, suspenso por cinco ou seis anos e até as vacas do país voltarem a engordar. Ou, pelo menos, a terem alguma saúde, depois da loucura onde mergulharam nos últimos tempos. Que Portugal faça ao menos boa figura no Europeu e que se mude a capital do país para o Porto onde haverá certamente menos corruptos por metro quadrado.

Finalmente, também há os amigos da internet, alguns bem queridos, e um sítio fixe para se postarem umas coisas. Se não forem como as de Lobo Antunes paciência. Cada qual nasceu com os seus genes, mesmo que não tenha nascido com génio nenhum para as letras, ou mesmo que os parágrafos estejam todos desalinhados.

Aveiro, 7 de Junho de 2012
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Dizem de mim que talvez valha a pena conhecer-me.
Goreti Dias
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« Responder #1 em: Outubro 13, 2015, 14:44:43 »

Dos teus genes eu não sei. Mas és um génio a transformar coisas banais em excelentes textos. Já nem me lembrava desse H5 rsrsr
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Goretidias

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Maria Gabriela de Sá
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« Responder #2 em: Outubro 13, 2015, 19:45:29 »

Risos..
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« Responder #3 em: Outubro 17, 2015, 22:01:55 »

Um texto com a qualidade habitual. Sou leitor do Lobo Antunes, melhor sou leitor de alguns livros e este texto não desmerecia a sua assinatura em termos qualitativos. Mas distingue-se pela originalidade da autora.

abraço
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Maria Gabriela de Sá
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« Responder #4 em: Outubro 20, 2015, 19:43:29 »

Obrigada, Nação Valente, Obrigada por me relevar a ousadia!!!!
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Partilhar é bom! Partilhem leituras, comentários e amizades. Faz bem à alma.
Novembro 10, 2022, 20:30:23
E, se não for pedir muito, deixem um incentivo aos autores!
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Boas leituras!
Novembro 10, 2022, 20:29:08
Boa noite!
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Brevemente, novidades por aqui!
Setembro 05, 2022, 13:38:48
Boa tarde
Outubro 14, 2021, 00:43:39
Obrigado, Administração, por avisar!
Setembro 14, 2021, 10:50:24
Bom dia. O site vai migrar para outra plataforma no dia 23 deste mês de setembro. Aconselha-se as pessoas a fazerem cópias de algum material que não tenham guardado em meios pessoais. Não está previsto perder-se nada, mas poderá acontecer. Obrigada.

Maio 10, 2021, 20:44:46
Boa noite feliz para todos
Maio 07, 2021, 15:30:47
Olá! Boas leituras e boas escritas!
Abril 12, 2021, 19:05:45
Boa noite a todos.
Abril 04, 2021, 17:43:19
Bom domingo para todos.
Março 29, 2021, 18:06:30
Boa semana para todos.
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Boa tarde a todos.
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