josé antonio
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escrever é um acto de partilha
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« em: Setembro 19, 2008, 19:12:22 » |
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Nunca desejara outra profissão senão a de enfermeira. Talvez por vocação, por amor à famÃlia e a todos os outros. No recreio era sempre a primeira a acudir aos trambolhões das colegas, despindo a bata para tapar as cabeças abertas, os golpes na face e outras desgraças provocadas pelo azar da brincadeira descuidada. Aos dezasseis anos acreditou que não teria sido coincidência o seu nome de baptismo com o da irmã Teresa de Calcutá, logo que teve acesso ao relato da vida desta. Depois casou e já mulher adulta, enfermeira diplomada. A enfermeira Teresa. Adulada por quase todos daquele hospital que viam nela muito mais que uma enfermeira: irmã, meia-irmã, mãe, mas sobretudo a companhia desejada e apaziguadora nos terrÃveis momentos de dor, solidão e abandono. Teresinha, miúda dos seus cinco anos era a sua mais recente e incondicional admiradora. Espalhava o retrato da enfermeira Teresa por todo o sÃtio e meios ao seu alcance. Nos desenhos da escola,nas cartas ao pai natal, nas redacções, na areia fina da praia em substituição dos castelos e bolinhos que ninguém comeria. Através do instinto próprio das crianças da sua idade apregoava à boca cheia que seria enfermeira como Teresa, quando mulher. Ponto final. Teresinha era vÃtima de assÃduos ataques de asma que a conduziam inevitável e frequentemente ao hospital, ao colo da mãe, contorcendo-se, revirando os olhos de desespero até ver a tranquilidade da face da enfermeira Teresa que sem demora a tomava nos braços, a deitava e colocava a máscara de oxigénio salvadora. E ficava a seu lado enchendo-a de carÃcias na face, ao longo dos braços e prolongados beijos na testa fazendo-a voltar à calma dum paraÃso a que tinha direito como as restantes crianças da sua idade. Quando regressada à normalidade, despedia-se da enfermeira Teresa com um terno e apertado abraço como os que trocava com a mãe. Numa das noites de crise e já de volta a casa perguntou pelo caminho a quem pertencia aquela casa enorme - referindo-se ao hospital. Ousada e corajosamente a mãe respondeu-lhe, respeitando a admiração que ela nutria por Teresa que era a casa dela e do marido, o Sr. Hospital. E Teresinha satisfez a curiosidade ao ponto de não repetir a pergunta. Decorrido cerca de um mês, com o esvoaçar do pólen no ar, teve de recorrer mais uma vez aos cuidados de Teresa. Enquanto se vestia para regressar a casa, não resistiu e interrogou-a: - O Sr. Hospital, está bom? - Mediante o acenar aflito com a cabeça para a enfermeira Teresa a mesma respondeu-lhe que sim mas com muito trabalho com meninos como ela. - Dê-lhe um beijinho, porque deve ser muito boa pessoa. E completou: - a tomar conta de tantos meninos, a dar-lhes de comer, de dormir... E despediram-se com a ternura habitual. Não escapando ao que se passava em todo o paÃs, o ministro do governo que mandava em todos os hospitais decidiu fechar aquele hospital. O marido da enfermeira Teresa. De nada adiantaram os protestos porque as portas foram encerradas para se manterem encerradas. Teresinha nada soube porque era problema dos adultos, deduziam os pais, a famÃlia e os amigos. A enfermeira Teresa mudou para uma cidade vizinha distante uns quarenta quilómetros. Na crise seguinte de asma, Teresinha estranhando a paisagem e o tamanho da viagem interrogou a mãe: - Porque não vamos ao marido da enfermeira Teresa? - Porque ele morreu, filha.
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