Vóny Ferreira
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« em: Outubro 22, 2008, 17:59:42 » |
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Muitas vezes quando Inês se sentava na relva e se punha a mirar o bailado concludente das borboletas sobre as flores, interrogava-se inquieta. - Porque não nasci borboleta?
Nesse dia a mãe tinha-lhe pedido para ir à loja do Senhor LuÃs comprar arroz. A loja ficava a uns escassos metros da casa onde morava. A mãe deu-lhe umas moedas e recomendou. - Não demores porque preciso do arroz para o almoço, ouviste ? - Sim, mãe… respondeu, maquinalmente. Teimosamente os passos de Inês encaminharam-se para uma quinta ali perto de casa, onde proliferavam flores silvestres, roseiras, malmequeres e alguns montes de terra formados pelo abandono frequente de terra que era ali encarcerada por alguns camiões em jeito de jazigo valioso. Inês, gostava de ir para aquele local só para apreciar o vaivém constante das borboletas que pareciam nascer da terra e de ouvir os gorjear maravilhoso dos pássaros em cantorias desencontradas. Sentou-se na terra revestida de folhas ressequÃdas e mergulhou fatalmente nos seus pensamentos habituais:
- Porque não nasci, borboleta? Porque nasci menina, se eu preferia ser como elas, voar por esses campos fora sem me importar com mais nada? Ou então ser como aqueles pássaros tolos que parecem brincar à s escondidas por entre os galhos dar árvores, sem se importarem muitas vezes com os grossos pingos de chuva que beijam a terra endurecida. Porque não nasci, borboleta? Imperturbável, Inês, continuava mergulhada na profunda apatia dos seus pensamentos. - Uff… o sol está tão quente. Devia ter trazido o chapéu porque logo já sei que vou estar com a cabeça à roda como se tivesse um mosquito a zumbir nos meus ouvidos. De novo surgiu-lhe o mesmo pensamento. - Porque raio não nasci borboleta? Ou então… papoila? Ou rosa? Ou grilo, escondido na toca como se tivesse medo do mundo? Ah… se eu fosse borboleta, se não tivesse que ficar aqui sentada a olhar tudo isto, cansada dos os meus próprios pensamentos! Era tão bom não ter que pensar em nada, não ter que ver a mãe chorar! Porque será que a mãe anda sempre tão triste? Tão zangada com o mundo? É tão estranho… Porque penso tanto sobre estas coisas? Porque não hei-de correr como os outros miúdos, saltar e gritar maluquices e tontarias e me ponho aqui a olhar para ontem como a mãe diz, zangada? Oh… apetecia-me tanto rebolar por esta terra coberta de folhas ressequÃdas, sem me importar com os arranhões das silvas. Acabar lá no fundo como se fosse uma formiga empurrada pelo vento! Odeio estes meus sonhos impossÃveis! Gostava tanto de ser vento e mais não sou do que uma miúda desajeitada com 8 anos, e 35 dias. Gostava de ser pássaro, voar até à s estrelas, fazer das flores os meus baloiços, cantar como se fosse uma miúda feliz, que não sou, porque o que sou é esta magricela horrÃvel, com cabelos ruivos e sardas, que mais parece um surto de sarampo, ou então… aquelas estrelas que cintilam em noites de luar! Oh, não… que disparate! Lá estou eu a sonhar. Odeio os meus sonhos! Como podem as minhas sardas ser como as estrelas? Não são estrelas, coisa nenhuma… porque eu adoro ver as estrelas lá em cima a brilhar no céu com as suas luzes intermitentes e odeio com todas as forças do meu ser estas malditas sardas. Os pensamentos de Inês foram interrompidos abruptamente como se de repente caÃsse sobre aquele local uma trovoada impiedosa. Ao longe, a aproximar-se com a assustadiça ameaça de um relampejar tempestivo, apareceu a mãe de Inês. - Inêsssssssssssssssssssssssssssss… parece impossÃvel! Ouve lá cachopa, tu és atrasada mental ou quê? O arroz que eu te mandei comprar? Sabes há quanto tempo ando à tua procura? - Inês não teve tempo de responder porque uma bofetada impiedosa fê-la rodopiar como um peão. A mãe estava furiosa e Inês sabia que o melhor que tinha a fazer era ficar impenetrável como um busto de mármore.
Decorridos alguns momentos, Inês, acompanhava a mãe lado a lado com as lágrimas a caÃrem-lhe pelos olhos como se fossem uma cascata nascida num local paradisÃaco. Um único pensamento a atormentava, nesse momento, enquanto caminhava ao lado da mãe. - NÃO QUERO SONHAR MAIS… NUNCA MAIS… PORQUE SONHAR FAZ SOFRER!!
Autoria: Vóny Ferreira
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