marcopintoc
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« em: Novembro 26, 2008, 00:52:47 » |
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Hoje o concerto surge na noite como se um pedaço de magia tivesse sido liberto por um grande feiticeiro. Talvez esteja lá em cima no palco, atrás dos teclados que levam os espÃritos da plateia onde o negro gótico e as vestes longas predominam. Estou com alguém de que não sei o verdadeiro nome.Para ela sou Draknet , ela chama-se Delanoche, é a primeira vez que nos vimos ; os portais obscuros da rede fizeram que com que nossos desejos se cruzassem. Ela é bela , não tão bela como a diva que atrai todos os olhares , muitos deles maquilhados. A figura imperial de Tarja Turunen parece atravessar o palco sem que seus pés toquem o solo , os longos cabelos negros ondulam embalados pela ventilação fazendo com que as roupas largas e vaporosas se colem momentaneamente ao corpo revelando as suas linhas .E todavia toda a multidão , servos da grande dama do metal , está hipnotizada pela voz que entoa um canto que só julgávamos possÃvel nas fadas de uma infância tão longÃnqua. Delanoche encosta-se ao meu braço , é grande a nossa diferença de estrutura assim como é abismal o fosso de tempo que se cava entre nós . Desde a primeira noite em que os nossos teclados se cruzaram a sua meninice ainda não distante e o meu declÃnio em longos cabelos grisalhos não lhe pareceram factor de estranheza. Durante longas horas falamos de coisas da tumba e do medo , dos poemas que nos fazem desejar a faca atravessando as entranhas , das vozes dos que já cá não estão a sussurrar-nos aos ouvidos. Ela disse que veio de outro tempo para me recordar a minha caminhada entre os vivos, ela disse que na noite certa as minhas presas trespassariam seu pescoço e eu seria também banquete da sua voraz fome de sangue. E depois seriamos, para todos os momentos que restam à eternidade, amantes e cúmplices de um pecado maior. Viemos juntos ao concerto dos Nightwish , ela disse que era um ritual , uma missa para aqueles que não tem nome. ; eu sei do que ela fala. Há algo nesta música, há algo na sincronia e simbiose entre a musica poderosa e épica e a voz lÃrica de Tarja que nos faz recordar as vidas que já tivemos. Delanoche puxa a minha cabeça para baixo, precisa de me dizer algo, quer ir para a bancada. A frase é - Está na hora de viajar mais além Algo a contragosto acompanho-a para longe do palco. Delanoche alheia-se do concerto e procura um lugar discreto e vago nas bancadas que não estão ,de forma alguma, completas. Senta-se a meu lado e os seus olhos grandes encontram os meus. Anuncia solene enquanto tira uma pequena garrafa do bolso do longo casaco de cabedal. -Hoje é a noite onde os nossos prevalecerão. Proferindo uma reza dos antigos abre a tampa e deposita na minha boca generosos goles de algo que sei ser altamente alucinogénio. Algo de droga , algo de alquimia escorre para dentro de mim. Perco a visão , essa cegueira faz com que a minha capacidade de sentir com mais intensidade a música que sai pela amplificação seja geometricamente explosiva. Um baú negro de encantamentos desperta na minha memória há tanto adormecida. Nada vejo mas sinto na face a brisa fresca da manhã e cheiro na neblina o medo dos homens e a excitação dos cavalos. A última sensação que tenho deste mundo é a lÃngua bÃfida de Delanoche a sentir a grossura da minha jugular e o seu sussurro, já em voz rouca de algo há muito morto: - Volta a casa . Vence ou tomba com os teus Ao fundo a voz , a voz da senhora que os deuses mandaram para me embalar de volta a um tempo em fui valoroso , vai-se desvanecendo nos confins da eternidade. O duelo entre a guitarra distorcida e os dedos hábeis do teclista ergue-se guerreiro, épico , um hino de batalha. Digo adeus ao tempo de agora. Agora sei que Delanoche teve outro nome , é a ela e ao amor maldito que outrora lhe tive que lanço a minha oração de amaldiçoado. Tece um rendilhado de malha que proteja a minha carcaça das lanças inimigas. Invoca os sete ventos dos nossos antepassados, reis gloriosos de outra eras . Oferenda a tua mais secreta entrada aos ávidos homens de armas que tombaram por este reino. A hora da refrega aproxima-se, as trombetas chamam as nossas fiéis lanças e os valorosos braços de briosos guerreiros. O sol ilumina o campo onde pelejarão nossos alazões, oremos aos nossos deuses de guerra para que não nos deixem vacilar na estocada final , invoquemos nossos mais negros demónios para que mil fins horrendos sulquem as fileiras do inimigo , invasor do norte , que se perfila do outro lado da planÃcie. Oiço a tua voz, minha dama, minha senhora de olhos grandes e cabelos negros como o breu. Oiço o teu apelo de fada da tundra e meu corcel resfolga da saudade que sinto de ti. No vento que desfralda o meu pavilhão de armas brilha o azul dos teus olhos. Escuto o teu chamamento do alto das muralhas inexpugnáveis da nossa grande fortaleza, onde os mortos chegarão sobre os escudos e os feridos sararão suas chagas ;invocas ,na voz que um deus grande e generoso te concedeu, a coragem e honra do nosso povo. Cerro a viseira quando o grito de batalha de nosso soberano atravessa as primeiras linhas de arqueiros e uma chuva de morte abate-se sobre aqueles que atravessaram as nossas searas e aldeias deixando um rasto de infâmia , fogo e fome. Agora é a hora de reclamar tal desonra ao nosso nome. É chegada a hora de enegrecer nossas couraças com o sangue de nossos inimigos. Do alto da torre, onde o sol apenas toca no solstÃcio ,vejo-te nua e desafiante. A tua visão paira sobre as fileiras dos vilões e sei que a única forma de tocar novamente teu corpo de feiticeira é sobreviver a este dia. Sei que para sentir de novo o calor dos teus encantos a descer em forma de beijo ao longo do meu corpo, urge ser feitor de tal chacina que não reste vivalma no amontoado de bastardos que agora inicia a carga. Empunho a lança e golpeio o cavalo com as esporas que meu senhor me oferendou após a primeira batalha. O grito de mil homens de armas ecoa a meu lado; meus irmãos , morte e honra a galope. Contigo no pensamento trespasso o inábil cavaleiro que carregava em minha direcção e mergulho na refrega. A espada brilha ao sol e o encantamento dos teus olhos de água anima a lâmina. Por ti mato com uma fúria que até agora só conhecera dentro de ti, minha senhora de delÃcias mil. Do alto de tua torre , possessa de olhos carmim ,invocas os poderes dos heróis da nossa raça que guiam a minha arma na morte daqueles que violaram nossas casas. Feitiços mais velhos que a neve eterna das montanhas tornam-me mensageiro da ceifeira. Do alto da tua torre amaldiçoas, olhos agora em sangue , presas aguçadas , roupas rasgadas e o corpo traçado pelas unhas longas. Com a lÃngua que o diabo te deu proferes pragas que trazem o mais negro pavor aos infantes inimigos que debandam atabalhoadamente. Nossas espadas, nossos machados, o tiro certeiro de nossos besteiros aniquila-os, um por um , até que ;no alto da colina que fica agora tão perto, apenas restar o pavilhão amedrontado do rei que tanto odiamos. Que honra me dás minha amante, minha bruxa, minha tragédia a dois. Gritando teu nome batalho como o homem louco se debate nas águas revoltas do rio que o matará. Ergo aos céus o coração estripado do maior dos invasores e reclamo o prémio dos teus amores.
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