Antonio
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« em: Abril 23, 2008, 13:45:57 » |
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Numa rua rasgada há cinco ou seis anos na zona periférica e ainda muito rural duma cidade do interior, apenas umas moradias novas, nem todas habitadas, contrastavam com os campos, baldios, silvedos e lotes de terreno que predominavam. Tinham sido plantadas umas árvores que ainda não eram suficientemente crescidas para darem uma sombra capaz e muito menos nesta época invernosa em que deixavam ver somente os troncos e os galhos desfolhados. Um carro preto de gama baixa estava estacionado junto ao passeio. Chovia, mas podiam-se ver dois vultos lá dentro. Ambos no banco traseiro. Da escola primária do plano centenário que ficava situada numa antiga artéria donde nascia a rua das moradias saÃram muitas crianças. Umas entraram em viaturas que as esperavam, outras quedaram-se na porta, outras avançaram a pé para o seu destino. Só um rapazito da segunda classe, bem protegido contra a intempérie, andou uns cem metros e depois virou à direita pela rua nova. Bastava-lhe andar mais uns duzentos metros e estaria em casa onde o esperava a empregada Eulália. Pouco passava das cinco e meia da tarde e a noite começava a cair. Viu o carro preto que, ao aproximar-se, identificou como um Volkswagen Polo. Quando estava a passar por ele, subitamente abriram-se ambas as portas traseiras. Dois indivÃduos vestindo longas gabardinas com capuz precipitaram-se sobre a criança, num ápice adormeceram-na com éter e meteram-na no banco de trás. Uma das estranhas personagens entrou para lá, o outro torneou o automóvel e, sentando-se ao volante arrancou devagar, fez inversão de marcha pois a rua nova ainda só tinha uma entrada, e guiou calmamente pela estrada empedrada e estreita da escola seguindo depois por outras vias com o mesmo enquadramento rural mas afastando-se sempre da zona citadina. Percorreu poucos quilómetros por estradas em paralelo até parar numa zona descampada: - Vou tirar os panos que estão a tapar as matrÃculas – disse o condutor. Assim fez e lançou os trapos para um ribeiro que a chuva tornara mais caudaloso. Depois abriu a porta traseira do seu lado, entrou, e os dois amarraram o jovem ainda adormecido, taparam-lhe a boca com adesivo industrial, certificaram-se de que respirava bem pelo nariz, vendaram-lhe os olhos e o condutor retirou da cabeça um pedaço de meia de senhora com o qual se mascarara. O cúmplice fez o mesmo. Guardaram-nos num bolso dos capotes. - Agora vamos para o local – falou de novo o chefe. Passados alguns quilómetros saÃram das estradas empedradas, andaram uns quinhentos metros por uma de terra batida e lamacenta que mais parecia uma picada e, numa zona arborizada, pararam junto de um casebre. Os faróis já estavam acesos e a vÃtima desperta. SaÃram os três, entraram na cabana e depois de acenderem um candeeiro a petróleo deitaram a criança num colchão, bem amarrada, mas de modo que poderia alimentar-se pelas suas próprias mãos, pois só os pulsos estavam presos. Os pés estavam atados entre si e a uma forte estaca vertical. Colocaram de novo as meias na cabeça e retiraram a venda do rapazito. Destaparam-lhe a boca para ele comer mas a vÃtima começou aos berros. Levou uma valente bofetada e ouviu: - Ó miúdo! Tu come e está calado! Só estarás aqui o tempo necessário para que o teu pai nos dê o dinheiro que lhe vamos pedir. Mas porta-te bem, porque senão nós podemos ser muito maus para ti, ouviste? – ameaçou uma voz de homem um pouco distorcida pela meia. O mocito, feio que era, tinha os olhos muito arregalados e pareceu perceber pois comeu e bebeu sem dizer mais nada. No final, puseram-lhe as mãos atrás das costas, amarraram-no deitado com a cabeça um pouco elevada e amordaçaram-no, desta vez com um pano, mas deixando os olhos descobertos. - Agora só vimos cá amanhã à noite. Se o teu pai se portar bem ficas aqui pouco tempo. Entretanto, se tiveres sede, tens estes copos de plástico junto ao colchão e podes beber pelas palhinhas – falou o lÃder. E continuou: - Dorme e até amanhã! Apagaram o candeeiro, saÃram, tiraram novamente as máscaras improvisadas, removeram as luvas que tinham mantido sempre calçadas e, devagar, foram embora. Já eram seis menos dez quando a Eulália, cinquenta anos envelhecidos, baixa, gorda, feia e abandonada pelo homem, estando preocupada com o atraso do petiz, resolveu ir à escola ver se o Tiago lá estava. Voltou ainda mais aflita e decidiu telefonar para a agência de viagens de que eram proprietários os pais do miúdo, Jaime e Zulmira Campelo. Atendeu uma jovem empregada, a Catarina. - Menina! Sou a empregada dos senhores. Queria falar urgentemente com o senhor Campelo – falou num tom que deixou a jovem apreensiva. Esta fez um sinal para o patrão de que Ãa transferir a chamada enquanto dizia que era a empregada lá de casa. - Está? Há algum problema, Eulália? - Há, senhor Campelo! O menino Tiago ainda não apareceu. E contou o que se passara. - Vamos para aà de seguida. Até já! Desligou e quasi berrou para a mulher: - Ó Zulmira! O Tiago ainda não chegou a casa. Vamos ver o que se passa. E virando-se para o Eurico Pereira, seu empregado e meio-irmão, ordenou: - Tu ficas a tomar conta da firma como de costume. Quasi de seguida saiu com a mulher deixando para trás um: - Até amanhã! Além do proprietário, da sua mulher e do meio-irmão, trabalhavam na empresa e assistiram a toda a cena, a Sandra Maciel, vinte e sete anos, estatura média, não propriamente bonita mas elegante e com um sorriso largo que permitia ver uns dentes esplendorosos e os muito jovens Paulo Nogueira, de origem modesta e apaixonado pela colega Catarina Sousa, de famÃlia com boas posses, alta, loira e bonita. Tinha um namorado do mesmo estrato social. O Paulo nem namorada tinha, sempre na esperança de que acabaria por encantar a jovem colega de trabalho. O enigmático desaparecimento do Tiago foi o tema da conversa até todos saÃrem e o Eurico fechar o estabelecimento.
(escrito em 8 de Outubro de 2007)
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