CARTA DE TERESÓPOLIS

[CAMPISTA CABRAL]

O relato aqui exposto é verdade... Não queria que assim o fosse. Desejaria, na verdade, tratar de ficção, no entanto, o que vi e ouvi e senti foi aterrador. A cidade de Teresópolis, na região serrana do estado do Rio de Janeiro, sofreu com as fortes chuvas de janeiro e eu fui testemunha das coisas que vi e ouvi e senti...
CAMPISTA CABRAL

  Meus olhos jamais poderiam supor que imagens do absurdo seriam a imagem do cotidiano durante aqueles dias... e ouvi gritos e vi pessoas e lanternas e senti medo e não senti nada naquela noite. Uma chuva intensa caía sobre a cidade e mal sabíamos do que estava para acontecer. Águas pesadas e trovões e clarões assustadores revelavam e impediam a verdade das coisas. Por conta dos clarões dos relâmpagos pude perceber a terra que tomava vida e forma e avançava sobre ruas e carros e gentes. Energia elétrica já não havia. Havia desespero e terror. Havia chuva e anúncio de mais água.
  Meus olhos ainda não sabiam que outros cenários se apresentariam e se mostrariam mais absurdos: carros e caminhões dependurados como brinquedos, corpos espalhados pelo chão, lama e lixo e restos de sonhos, casas aos pedaços e água e desolação.
  Da varanda de minha casa via a cadeia de montanhas. Da Varanda de minha casa passei a ver os escombros e um cenário de guerra.
  Dias se seguiram em que a sensação de se estar perdido era a única certeza. Tudo o mais era como a passagem das águas, rápido e breve...
 Meus olhos não se esquecem do que viram e meus ouvidos tampouco e, quando cheiro as minhas mãos o que sinto ainda é a lama, o cheiro forte de lama...

[Goreti Dias]

Triste situação, de facto.

[Oswaldo Eurico Rodrigues]

Cabral,

tamanho foi o susto que levei quando liguei a televisão e vi a cidade vindo a baixo. Na mesma hora tentei entrar em contato. Telefone impossível. Consegui notícias de que estava bem assim como meus parentes na vizinha Nova Friburgo e os membros da igreja também não. Mas a tristeza não cessou. Ainda penso nos que perderam tudo e todos.

Deus traga conforto às nossas almas.

[CAMPISTA CABRAL]

Olá Goreti! Olá Oswaldo!

Agora estou voltando a escrever pela internet... O mês de janeiro foi um mês bastante difícil para mim. Perdi quatro vizinhos e vi muitas pessoas que choravam as muitas perdas. O cenário que se vê é espantoso: onde havia ruas, árvores enromes e pedras, igualmente enromes; bairros inteiros devastados pela avalanche de terra ou pela força das águas. Fiz por, três vezes, trilha para averiguar a situação (fiquei abrigado em um sítio por três dias). Não havia mais água nem luz e as pessoas já estavam um tanto quanto exaltadas. De fato o que vi não sairá da minha cabeça...

Um grande abraço para ambos!

[Dionísio Dinis]

Relato intenso, sofrido e a a um mesmo tempo, urdido com rigor na escrita.

[CAMPISTA CABRAL]

Deveras intenso e sofrido caro Dionísio... Espero não passar por situação semelhante na vida. É muito triste ver o lugar em que se teve tantas alegrias acabar de um dia para o outro.

Um grande abraço!