gdec2001
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« em: Janeiro 14, 2014, 22:56:11 » |
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E a OlÃvia contou: Que o Duarte era muito bom homem mas não correspondia ao que ela sonhara quando casara com ele, impulsionada pela mãe que só via o dinheiro. Ela queria um herói embora não tivesse bem a noção do que é que isso podia significar. Umas vezes sonhava com um grande polÃtico, outras vezes com um actor de teatro ou cinema, outras com um jogador de futebol ou, assim, um grande corredor; enfim tolices; como hoje reconheço, acentuou. De maneira que andava triste e desgostosa porque o Duarte não lhe parecia um herói. Foi então que conheceu, como que por acaso, um jogador de futebol. Na verdade, pedi para lhe ser apresentada... O fulano joga, aÃ, no nosso melhor clube que é, como toda a gente sabe, o Benfica, ainda que já há uns anos que não ganha o campeonato por causa dos árbitros, é claro e, o tal fulano, é estrangeiro o que, para mim, era mais um atributo de um verdadeiro herói... E embora fale muito mal o português, achei-o muito simpático. Apaixonei-me por ele e convenci-me de que ele estava apaixonado por mim e, encurtando razões, com poucas palavras, mas muitos sorrisos, levou-me para a cama. Mantive aquela relação, aà durante um mês sem o meu marido descobrir nada. Mas descuidei-me um pouco: SaÃa com ele e, à s vezes, tÃnhamos certas intimidades, mesmo em público. Bom, o meu marido veio a descobrir tudo e foi um sarilho. Saà de casa e para me vingar de uma bofetada que me deu, levei a Elsa e deixei-a naquele jardim, como já sabe pensando, estouvadamente, que ficava bem. Procurei ir viver com o meu conhecido e...amante é claro, mas ele recusou-se com diversas desculpas: Que era mau para o clube e assim. Tinha levado algum dinheiro e hospedei-me num hotel. À noite ia para a paródia mas, o meu jogador, cada vez o via menos. Passado algum tempo o meu marido encontrou-me. Já eu estava mal porque o dinheiro tinha acabado e o crédito era pouco e estava a acabar também. Contei-lhe aquela história do acidente em que ele, ao princÃpio, acreditou ou fingiu acreditar. Acabei por voltar para casa e contei-lhe tudo...mais ou menos. E é esta a minha história. Então, não diz nada ? O que é que quer que lhe diga. Essa história revela que a Senhora era apenas uma adolescente, capaz das maiores tontarias. Espero, para bem do seu marido, que entretanto tenha crescido. Ainda me custa ouvir-lhe isso, mas acho que tem razão ainda que, à s vezes, ainda devaneie um pouco. Devanear não é mau se, por exemplo, sonhamos com a beleza ou a enormidade do universo, com a beleza dos nossos filhos e a enormidade do nosso amor por eles e com o amor pelo nosso marido ou mesmo com qualquer outro amor, autêntico, que tenhamos e, também, com a enormidade e a complexidade dos problemas que nos aparecem. Isso pensará a senhora, que é uma mulher inteligente, mas não penso eu e as outras pessoas vulgares. A gente pensa o que as novelas da televisão querem. Não, a questão não é a inteligência, que a senhora mostra possuir ao compreender como age, sobre nós, a televisão. - Ainda que a questão não seja propriamente da televisão mas da maneira como a vemos...-. A questão é de mentalidade. E por isso eu chamei de criancice o que a senhora fez, ainda que muito mau para o seu marido e pior para a sua filhinha. Sim; acho que tem razão. O meu herói, agora, é o meu marido. Desculpe, mas parece-me que ainda tem de crescer mais, porque a questão não é a de quem é herói e quem não é herói. Heróis somos todos quando suportamos a enorme tarefa de viver o dia a dia e, tanto mais, quanto menos interessante a nossa vida for. Ó, meu Deus !... De qualquer maneira, admiro o meu marido e acho que o amo, agora. E eu julgo que ele bem o merece; não pelo dinheiro que tenha, mas pela maneira como tratou o vosso problema e, principalmente, pela maneira como trata a vossa filhinha. Ao contrário de mim que a tratei como uma miserável. Não vale a pena censurar-se agora. Foi uma crueldade de criança, da criança que a Senhora era; incapaz de compreender a responsabilidade, a beleza, e o privilégio de ser mãe. Mas ser mãe é tão vulgar. Não, não. Nada do que é humano é vulgar. A responsabilidade que é ser mãe, é uma responsabilidade diferente de pessoa para pessoa, a beleza da mesma maneira, e, da mesmÃssima maneira, o privilégio. Geralmente, as pessoas sentem-se apenas felizes, mas quantas maneiras diferentes há de ser feliz? Uma para cada pessoa, naturalmente. A Senhora é uma... sábia. Não, não . Não brinque comigo. Digo isto, tudo, que sinto, de uma maneira tão imperfeita... Esta conversa, que reproduzi, ora no discurso directo ora no indirecto como me deu maior jeito , estreitou muito as relações entre estas mulheres, tão diferentes. A Olivia, vai muitas vezes a casa da Adélia, mesmo quando não pode levar a pequena. Queixa-se da inutilidade da sua vida. Diz que quando era criança " é que era bom..." O pai era professor primário mas passava mais tempo a tratar da vinha do que na escola. Casara-se, quando já tinha quarenta e tal anos, com a colega que veio para ensinar as raparigas, lá na sua aldeia. A minha mãe era uma mulher extraordinária, dizia. Uma pessoa muito fina...Não condizia com o meu pai. Mas davam-se muito bem...Bem, na verdade, tinham muita coisa em comum. Uma delas, talvez a mais importante, era a religião. Eram católicos praticantes, de maneira que a rotação dos dias e, ainda mais, das semanas, se regulava pelos seus deveres religiosos. A mim, pelo menos parecia-me assim. Que o Domingo existia para eles poderem ir à missa... E que o padre dava a hóstia em comunhão para eles poderem comungar todas as semanas. Muitas vezes eram os únicos...lá, na minha aldeia, De maneira que, quando chegou a altura, eu e a minha irmã entramos no mesmo esquema. Mas na verdade vejo agora que nunca tive verdadeira fé. Era tudo vaidade porque nos Domingos a minha mãe vestia-nos como verdadeiras princesas e eu, embora aparentasse humildade falando com toda a gente, sentia-me muito superior a todos como se já estivesse no céu. Enfim, criancices. E, agora, a OlÃvia vai à missa ? Continua religiosa? Olhe, na verdade vou, porque o meu homem também vai, mas nem sei se sou religiosa ou não. Às vezes parece-me que deve existir qualquer coisa que nos governa e governa o mundo mas outras vezes não. E olhe que o que me faz duvidar mais, é o que vejo na televisão. Tantas barbaridades entre os homens e os animais que me parece impossÃvel que seja um deus que governa isso . E a Elsa ? como encara a religião. ? Para lhe ser inteiramente franca, parece-me que a religião é apenas uma espécie das muitas superstições que existem. Uma forma de, algumas pessoas, suportarem a existência na esperança de uma vida futura, mais feliz. É claro que, em outros tempos, a religião foi útil como suporte das ideias morais mais elevadas mas hoje, já não me parece necessária. Na verdade parecia-me bastante melhor que não existisse pois sempre foi causa de inenarráveis sofrimentos. Mas então como é que fundamenta hoje as ideias morais ? Na vida. A vida é a minha religião. Mas como?
Geraldes de Carvalho
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